terça-feira, 4 de setembro de 2012

CARTA RESPOSTA AO ARTIGO DE OPINIÃO PUBLICADO PELO JORNALISTA JURACY ANDRADE NO JORNAL DO COMMERCIO DE 1/9/2012


Recife, 2 de setembro de 2012

Prezado jornalista,

Fui surpreendido negativamente pelo seu artigo publicado no JC (1/9) intitulado “Greves contra o povo” (confira aqui o artigo). Em particular, quando menciona a greve das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), mostrando uma descomunal desinformação do missivista.

Preferia responder a estas ácidas criticas através de um artigo de opinião, desde que tivesse o mesmo espaço que utilizou. Mas infelizmente, já algum tempo, meus textos são censurados pelo editor do JC. Ele infringiu este cerceamento, desde o dia que um mesmo artigo meu foi publicado simultaneamente no JC e no DP. Acusou-me naquela época, de ser responsável por este episodio, por algo, a meu ver, de inteira responsabilidade (se é que há culpados nesta estória) dos respectivos editores. Desde então, meus textos nunca mais foram aceitos para publicação neste espaço que o senhor utiliza regularmente para emitir suas opiniões. Bem vamos ao que interesse, pois não fui o primeiro e nem serei o ultimo atingido pelos “donos” da informação.

Inicialmente gostaria de informa-lo que as universidades federais públicas, juntamente com as estaduais, constituem em um patrimônio do povo brasileiro. É nela que se desenvolve 80% da pesquisa cientifica, e de grande parte da pesquisa tecnológica e da inovação, realizada em nosso país. O ensino oferecido é de melhor qualidade, ao compararmos com a maioria das instituições privadas, salvo exceções das Pontífices Universidades Católicas e outra aqui, acolá. As estatísticas confirmam a qualidade das instituições públicas. Infelizmente a nível internacional não estamos assim tão bem “na fotografia”, principalmente devido aos ataques constantes por parte dos sucessivos governos com motivações neoliberais (universidade é para formar profissionais para o mercado, afirmam). E também pelo sucateamento a que estamos sendo submetidos já há alguns anos, refletido no aumento do dinheiro publico repassado para a educação privada, e consequentemente, com a diminuição dos recursos para as universidades públicas.  

Como consequência desta transferência de recursos públicos, hoje mais de 80% das vagas são oferecidas pelas faculdades, institutos superiores, e universidades privadas. Grandes “escolões” de formação (?) duvidosa, questionável, de mão de obra.  O senhor deve lembrar que, há 30 anos, tínhamos mais de 80% das vagas oferecidas pelas universidades publicas. Fenômeno semelhante ao que aconteceu e desmantelou o ensino publico de 2º grau. Qualquer semelhança não e mera coincidência. Hoje a educação é uma mercadoria, e a de melhor qualidade fica restrita a quem tem dinheiro para pagar, aumentando assim o fosso da desigualdade social.

A greve é um legitimo direito conquistado dos trabalhadores, e os docentes das universidades são trabalhadores da educação, cujo patrão, é o governo de plantão. Não somos considerados e nem tratados como carreira de Estado. Demonizar a greve serve a quem?

Engano seu apontar que os únicos que sofrem as consequências da greve são os estudantes. Ledo engano, que espero não seja proposital e sim pela falta de informação. Os docentes comprometidos também são penalizados, pois o calendário fica desarranjado, desestruturado, e pedagogicamente é uma catástrofe. O docente tem família, filhos, projetos acadêmicos em andamento, pesquisas, enfim compromissos que com a greve acaba trazendo enormes transtornos. Mas, sem duvida quem paga o maior preço é a sociedade, o país.

Com relação à greve propriamente dita o governo federal tem agido de forma perniciosa, autoritária e ilegítima, utilizando-se de manobras para confundir não só os docentes, mas a sociedade, sobre o próprio sentido dessa greve, a reestruturação da carreira e o próprio conceito de instituição de ensino pelo qual lutamos. Sem dúvida o senhor se confundiu também.

A estratégia dispensada no tratamento da greve pelo ”patrão”, o governo federal, foi inicialmente ignorá-la, acobertando suas reais causas, prolongando o máximo possível à negociação com os grevistas, na tentativa de vencer pelo cansaço e de jogar a população contra os professores, chamando-os de “intransigentes” e “radicais”, sem ao menos discutir suas reivindicações.

A decretação da greve aconteceu de forma democrática em assembleias lotadas, demonstrando o profundo descontentamento da categoria com a forma desrespeitosa com que o governo trata a carreira docente e das condições de trabalho de ensino, pesquisa e extensão, em particular nas expansões desordenadas realizadas sem garantia da qualidade acadêmica. A causa em particular foi o descumprimento de um acordo feito entre o governo federal com a representação da categoria, o Sindicato Nacional dos Docentes de Ensino Superior (ANDES) no ano passado, que resultou no uso extremo do recurso da greve. Além do mísero reajuste de 4%, havia sido acordado que o governo, em março de 2012, apresentaria uma proposta para a carreira dos docentes, que nos últimos anos foi totalmente desestruturada e avacalhada, tratando de forma desigual, aqueles que desempenham as mesmas funções; tornando-a assim menos atrativa a carreira de professor universitário. É esta a questão que está em jogo na greve das universidades federais.

Quando o senhor cita o artigo do Prof. Gauss, e fala de docentes que mesmo ganhando gratificação por dedicação exclusiva não cumprem sua carga horaria, esta situação não pode ser generalizada, ao contrario são casos isolados. Como já escrevi ao diretor do CCEN este é um problema administrativo, ou seja, de inteira responsabilidade da administração central da Universidade que se omite. Nestes casos, identificados os infratores do contrato de trabalho que assinaram, deveriam sofrer um processo administrativo, com ampla defesa. Comprovado o ilícito, a penalidade deveria ser aplicada. Não será apenas denunciando genericamente estes problemas de forma leviana que eles serão resolvidos. É necessário atitude dos administradores (chefes de departamento, diretores de centro, órgão superiores e do reitor) frente a estas situações anômalas e esdrúxulas. Não se pode utilizar de casos isolados para atingir os legítimos anseios da maioria de docentes que luta por uma universidade pública, gratuita, de qualidade e compromissada socialmente.

Parece-me que o senhor, no afã de desqualificar a greve como legitimo instrumento de defesa do mundo laboral, aponta sua metralhadora na direção errada. E mais, um artigo como o que escreveu em nada contribue para a melhoria do ensino, da pesquisa e da extensão em nosso país. Ao contrário incita, tenta sim jogar a sociedade contra os docentes, que também são reféns dos governos que não tratam a educação brasileira com o respeito que ela merece.

Convido-o a se informar mais sobre o que acontece com a educação, em particular a educação superior em nosso país,

Saudações universitárias,

Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco
(desde 1978)







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