Recife, 2 de setembro de 2012
Prezado jornalista,
Fui surpreendido negativamente pelo
seu artigo publicado no JC (1/9) intitulado “Greves contra o povo” (confira aqui o artigo). Em
particular, quando menciona a greve das Instituições Federais de Ensino
Superior (IFES), mostrando uma descomunal desinformação do missivista.
Preferia responder a estas ácidas
criticas através de um artigo de opinião, desde que tivesse o mesmo espaço que
utilizou. Mas infelizmente, já algum tempo, meus textos são censurados pelo
editor do JC. Ele infringiu este cerceamento, desde o dia que um mesmo artigo
meu foi publicado simultaneamente no JC e no DP. Acusou-me naquela época, de ser
responsável por este episodio, por algo, a meu ver, de inteira responsabilidade
(se é que há culpados nesta estória) dos respectivos editores. Desde então,
meus textos nunca mais foram aceitos para publicação neste espaço que o senhor
utiliza regularmente para emitir suas opiniões. Bem vamos ao que interesse,
pois não fui o primeiro e nem serei o ultimo atingido pelos “donos” da informação.
Inicialmente gostaria de
informa-lo que as universidades federais públicas, juntamente com as estaduais,
constituem em um patrimônio do povo brasileiro. É nela que se desenvolve 80% da
pesquisa cientifica, e de grande parte da pesquisa tecnológica e da inovação, realizada
em nosso país. O ensino oferecido é de melhor qualidade, ao compararmos com a
maioria das instituições privadas, salvo exceções das Pontífices Universidades
Católicas e outra aqui, acolá. As estatísticas confirmam a qualidade das instituições
públicas. Infelizmente a nível internacional não estamos assim tão bem “na
fotografia”, principalmente devido aos ataques constantes por parte dos
sucessivos governos com motivações neoliberais (universidade é para formar
profissionais para o mercado, afirmam). E também pelo sucateamento a que
estamos sendo submetidos já há alguns anos, refletido no aumento do dinheiro
publico repassado para a educação privada, e consequentemente, com a diminuição
dos recursos para as universidades públicas.
Como consequência desta transferência
de recursos públicos, hoje mais de 80% das vagas são oferecidas pelas
faculdades, institutos superiores, e universidades privadas. Grandes “escolões”
de formação (?) duvidosa, questionável, de mão de obra. O senhor deve lembrar que, há 30 anos, tínhamos
mais de 80% das vagas oferecidas pelas universidades publicas. Fenômeno
semelhante ao que aconteceu e desmantelou o ensino publico de 2º grau. Qualquer
semelhança não e mera coincidência. Hoje a educação é uma mercadoria, e a de
melhor qualidade fica restrita a quem tem dinheiro para pagar, aumentando assim
o fosso da desigualdade social.
A greve é um legitimo direito
conquistado dos trabalhadores, e os docentes das universidades são
trabalhadores da educação, cujo patrão, é o governo de plantão. Não somos
considerados e nem tratados como carreira de Estado. Demonizar a greve serve a
quem?
Engano seu apontar que os únicos
que sofrem as consequências da greve são os estudantes. Ledo engano, que espero
não seja proposital e sim pela falta de informação. Os docentes comprometidos também
são penalizados, pois o calendário fica desarranjado, desestruturado, e
pedagogicamente é uma catástrofe. O docente tem família, filhos, projetos acadêmicos
em andamento, pesquisas, enfim compromissos que com a greve acaba trazendo
enormes transtornos. Mas, sem duvida quem paga o maior preço é a sociedade, o
país.
Com relação à greve propriamente
dita o governo federal tem agido de forma perniciosa, autoritária e ilegítima,
utilizando-se de manobras para confundir não só os docentes, mas a sociedade,
sobre o próprio sentido dessa greve, a reestruturação da carreira e o próprio
conceito de instituição de ensino pelo qual lutamos. Sem dúvida o senhor se
confundiu também.
A estratégia dispensada no tratamento da greve pelo
”patrão”, o governo federal, foi inicialmente ignorá-la, acobertando suas reais
causas, prolongando o máximo possível à negociação com os grevistas, na
tentativa de vencer pelo cansaço e de jogar a população contra os professores,
chamando-os de “intransigentes” e “radicais”, sem ao menos discutir suas reivindicações.
A decretação da greve aconteceu de forma democrática
em assembleias lotadas, demonstrando o
profundo descontentamento da categoria com a forma desrespeitosa com que o
governo trata a carreira docente e das condições de trabalho de ensino,
pesquisa e extensão, em particular nas expansões desordenadas realizadas sem
garantia da qualidade acadêmica. A causa em particular foi
o descumprimento de um acordo feito entre o governo federal com a representação
da categoria, o Sindicato Nacional dos Docentes de Ensino Superior (ANDES) no ano
passado, que resultou no uso extremo do recurso da greve. Além do mísero
reajuste de 4%, havia sido acordado que o governo, em março de 2012,
apresentaria uma proposta para a carreira dos docentes, que nos últimos anos
foi totalmente desestruturada e avacalhada, tratando de forma desigual, aqueles
que desempenham as mesmas funções; tornando-a assim menos atrativa a carreira de
professor universitário. É esta a questão que está em jogo na greve das
universidades federais.
Quando o senhor cita o artigo do
Prof. Gauss, e fala de docentes que mesmo ganhando gratificação por dedicação
exclusiva não cumprem sua carga horaria, esta situação não pode ser
generalizada, ao contrario são casos isolados. Como já escrevi ao diretor do
CCEN este é um problema administrativo, ou seja, de inteira responsabilidade da
administração central da Universidade que se omite. Nestes casos, identificados
os infratores do contrato de trabalho que assinaram, deveriam sofrer um
processo administrativo, com ampla defesa. Comprovado o ilícito, a penalidade
deveria ser aplicada. Não será apenas denunciando genericamente estes problemas
de forma leviana que eles serão resolvidos. É necessário atitude dos
administradores (chefes de departamento, diretores de centro, órgão superiores
e do reitor) frente a estas situações anômalas e esdrúxulas. Não se pode
utilizar de casos isolados para atingir os legítimos anseios da maioria de
docentes que luta por uma universidade pública, gratuita, de qualidade e
compromissada socialmente.
Parece-me que o senhor, no afã de
desqualificar a greve como legitimo instrumento de defesa do mundo laboral,
aponta sua metralhadora na direção errada. E mais, um artigo como o que escreveu
em nada contribue para a melhoria do ensino, da pesquisa e da extensão em nosso
país. Ao contrário incita, tenta sim jogar a sociedade contra os docentes, que também
são reféns dos governos que não tratam a educação brasileira com o respeito que
ela merece.
Convido-o a se informar mais sobre
o que acontece com a educação, em particular a educação superior em nosso país,
Saudações universitárias,
Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal
de Pernambuco
(desde 1978)
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