terça-feira, 11 de setembro de 2012

Onde foi parar a nossa Autonomia Universitária?

por Michel Zaidan Filho
Prof. do departamento de História da UFPE


            Quando da vitória do governo petista, em 2002, e do primeiro reitor identificado com os anseios da comunidade um universitária na UFPE, antevimos uma mudança substancial nas relações de poder entre  a administração, os docentes , os servidores  técnicos-administrativos e os alunos na nossa instituição.
 Tínhamos razão para esperar uma reitoria que representasse legitimamente o pensamento da comunidade acadêmica, autorizada pelo voto da maioria. Afinal, os dirigentes universitários até então encarnavam a vontade e os ditames do MEC, do Governo Federal, além é claro das injunções político-partidárias que sempre influíram na nomeação do escolhido para o cargo.

       Qual não foi a nossa surpresa em constatar que os “novos reitores” deviam obediência, não aos seus representados, mas sim ao Governo Federal, numa completa inversão de valores. Era o caso típico da chamada “servidão voluntária”, de que fala Rousseau, os novos dirigentes, eleitos democraticamente com os votos da comunidade universitária, passavam rapidamente a representar na UFPE os interesses e planos da burocracia ministerial de Lula. Poderíamos indagar das causas dessa estranha metamorfose: a explicação foi se revelando, ao fim de cada gestão. O “bom mocismo” dos reitores lhes garantia um cargo em Brasília. Tem sido assim, invariavelmente, com os ex-reitores da UFPE.

    Ocorreu com os nossos reitores, no governo petista, o que se passou com os movimentos  sociais: foram cooptados, viraram “chapa branca”, passaram a ser meros gerentes da vontade política do governo federal, perante a comum idade que  os elegeu. Quando o governo Lula propôs o REUNI, como condição para aumentar o investimento nas IES federais, aceitaram imediatamente, mesmo com o protesto dos docentes, de que tal oferta comprometia  a autonomia didático-científica das universidades. Mas os novos dirigentes   receberam essa modalidade de “neo-taylorismo“ na educação, de braços abertos, reintroduzindo a divisão entre professores “dadores de aula” e “professores pesquisadores”.  A universidade virava um colégio de 3º grau.

       Mas grave foi a fragilização da autonomia universitária, permitida pelos reitores “bons moços” perante os Procuradores Federais que, não só passaram a fazer tábula rasa dos instrumentos de controle e fiscalização da própria universidade federal, mas avançaram na investigação dos planos de curso,  os projetos de pesquisa, as licenças sabáticas, as palestras, seminários etc. como se fosse a sua competência admistrativa, fazer tal coisa. E tudo com a cumplicidade, a servidão silenciosa e covarde das instituições de ensino e pesquisa universitários. Se estivéssemos num Estado de Exceção, mesmo assim se levantariam vozes corajosas contra tão abuso. Mas num Estado de Direito democrático, o que dizer da servidão das universidades diante do Poder?

        Agora, vem o MEC empurrar de “goela abaixo” na comunidade universitária um projeto de lei que, simplesmente, retira das universidades o que resta de autonomia, no que diz respeito aos critérios que regem a ascensão funcional da categoria, sob a alegação de que vai dar (?) um aumento de até 45% aos professores! Acho que o governo petista nos trata como os telespectadores da Globo, idiotas, que “emprenham pelos ouvidos” tudo que ouvem ou veem. Paciência. É necessário dar um basta nessas ofensas sucessivas à dignidade da carreira universitária, para que os professores e servidores não acabem passando por meros clientes e serviçais, não do público ou da nação, mas dos governos de turno – seja de que lado ou cor for.     
                                                                                                                                                                    

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Golpe na ADUFEPE


Caros colegas grevistas,

            Outro golpe no movimento grevista docente está sendo forjado pelos agentes da burocracia conservadora da UFPE. Na última semana, chegaram informações na reunião do Comando Local de Greve de que “agentes” investidos de cargos de poder estão mobilizando professores de vários centros para organizar um “plebiscito” com o objetivo de pôr fim à greve dos docentes da UFPE. Isso por fora da instância decisória maior da  ADUFEPE, que é a Assembleia Geral.
            Entendo que essa movimentação reacionária é um ataque que pretende atingir não apenas a greve, mas a entidade de representação dos docentes, construída historicamente, com muita luta, desde os tempos do regime ditatorial, não podendo ser afrontada desta maneira. É lamentável que, a essa altura da greve, professores defendam essa proposta destrutiva da universidade pública brasileira e os métodos sujos que o governo Dilma está utilizando. Afinal de contas a UFPE é “plural”, e não apenas plural, é eivada pela contradição entre projetos de universidade e de sociedade.  Entretanto, não podemos nos furtar a agir contra essa tentativa de desmantelamento sindical, receita utilizada pelos governos neoliberais no mundo inteiro, como forma de quebrar os instrumentos de luta dos trabalhadores e impor sua lógica privatista, produtivista e desumanizadora nas fábricas, empresas e instituições públicas.
            O projeto do Governo Dilma para a universidade brasileira vem sendo desmascarado pelo movimento docente organizado nos sindicatos, que resiste bravamente ao modelo privatista. O braço sindical lacaio do governo Dilma, o PROIFES, foi atropelado por suas bases, mas seu espírito golpista permanece vivo em alguns setores da UFPE que, ao que parece, querem ressuscitá-lo. Precisamos resistir a mais esse ataque!
            Não faço parte da direção da ADUFEPE, nem apoiei a chapa que venceu as últimas eleições. Mas reivindico e defendo a importância da entidade, as regras constantes no seu regimento e a cultura política democrática em permanente construção pelo movimento docente. A tentativa de professores que não entraram na greve, saírem dela através do golpismo burocrático, construindo eventos paralelos, abre espaço para outras formas de autoritarismo disfarçado de democracia, sem espaço para o debate público aberto.
            Estamos em um momento fantástico da greve nacional dos docentes da IFES.  A maioria das universidades brasileiras, confirmam a disposição de permanecerem em greve. Ultrapassamos o dia 31 de agosto e o governo encaminhou o PL da Carreira Docente para a Câmara Federal. Audiências públicas sobre o tema estão sendo iniciadas no Congresso Nacional e nas assembleias legislativas nos estados do Brasil inteiro. O governo federal fechou a porta para não debater o projeto. Agora o debate é público e outros agentes entram em cena. As portas do Congresso Nacional são abertas ao povo. Emendas podem ser propostas ao PL da Carreira. A oposição vai esquentar o debate. Se sairmos da greve perderemos essa oportunidade histórica de aprofundar o debate sobre a Educação e a Universidade Pública, Gratuita e de Qualidade para o Brasil.

Jamerson Antônio de Almeida da Silva
Prof. da UFPE/Centro Acadêmico do Agreste


terça-feira, 4 de setembro de 2012

Necrológio em lembrança de Denis Antonio Mendonça Bernardes


por Michel Zaidan Filho. Prof. do departamento de História da UFPE



  É com muito pesar e uma imensa tristeza que acolhemos, nesse início de setembro, a notícia do falecimento de Denis Antonio Mendonça Bernardes, militante, professor,  historiador e editor do departamento de Serviço Social, da UFPE. Todos nós, que o conhecíamos de muito e muito tempo, sentiremos sua falta. Mas a comunidade dos historiadores sentirá mais ainda, sobretudo por ter sido privada do seu convivio, do seu magistério, da sua filosofia e da sua ciência. Denis foi um estudioso preparado - e muito bem preparado - para se aprofundar nos meandros da nossa história colonial e neo-colonial, tanto quanto nos estudos regionais do NE e da cidade do Recife. Teve grandes mestres dentro e fora da ufpe: Enilda pessoa, José Antonio Gonçalves melo Neto, Frederic Mauro, Pierre Nora e outros. 

Denis tinha um talento e uma vocação  natos para a pesquisa e o ensino de História. Sua calma, sua discrição, seu saber, sua inegável dedicação à pesquisa de alfarrabios,  pergaminhos, documentos antigos, arquivos e bibliotecas, tudo isso fazia dele um herdeiro incotestável dos grandes historiadores de pernambuco,a quem - aliás- dedicou mais de uma exposição ou edição crítica. A Universidade Federal de Pernambuco contraiu uma enorme dívida consigo: permitiu que uma das oligarquias familiares mais atrasadas da UFPE o afastasse do magistério da História, por mero capricho e abuso de autoridade. 

Mas o serviço Social o acolheu e ele teve a orportunidade de levar adiante suas pesquisas do doutorado, nos brindando com um grande livro, publicado pela HUCITEC, onde estava também um amigo comum, já falecido, Gildo Brandão Marçal. Lembro a primeira vez que fui vê-lo, em sua casa - em Olinda - para levá-lo a lecionar História Medieval, na Universidade Católica, pelos idos de 1975.

A acolhida amplamente favorável que teve ao convite. D epois, reencontrei-o  na Pós-graduação de História, ensiando o que havia de mais moderno na disciplina, inspirado  na historiografia francesa. Depois, venho a diáspora e o revi na UFPE, já no depto. de Serviço Social. Desde essa época, Denis foi meu parceiro indefectível em vários seminários, simpósios e  mesas redondas. Nunca  deixei de prestigi-lo, enquanto estava ativo. Ultimamente estava como editor da rediviva Estudos Universitários. Ainda acalentava a ilusão de convidá-lo para um seminário sobre manifestações operárias e socialistas em PE, foi quando soube que estava com cancer. Tomei um susto.  Embora de compleição frágil, Denis trabalhava como um "mouro" e estava em dois Programas de Pós-graduação. 

A notícia de sua morte, num fatídico fim de semana, nos pegou desprevenido. mais ainda o seu funeral em Maceió. Fica aqui registrada a homenagem e a despedida que não pude fazer, de corpo presente, a ele. Fica também um legado de cordialid ade, amizade, fidelidade e integridade que nunca será destruído por ninguém.

CARTA RESPOSTA AO ARTIGO DE OPINIÃO PUBLICADO PELO JORNALISTA JURACY ANDRADE NO JORNAL DO COMMERCIO DE 1/9/2012


Recife, 2 de setembro de 2012

Prezado jornalista,

Fui surpreendido negativamente pelo seu artigo publicado no JC (1/9) intitulado “Greves contra o povo” (confira aqui o artigo). Em particular, quando menciona a greve das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), mostrando uma descomunal desinformação do missivista.

Preferia responder a estas ácidas criticas através de um artigo de opinião, desde que tivesse o mesmo espaço que utilizou. Mas infelizmente, já algum tempo, meus textos são censurados pelo editor do JC. Ele infringiu este cerceamento, desde o dia que um mesmo artigo meu foi publicado simultaneamente no JC e no DP. Acusou-me naquela época, de ser responsável por este episodio, por algo, a meu ver, de inteira responsabilidade (se é que há culpados nesta estória) dos respectivos editores. Desde então, meus textos nunca mais foram aceitos para publicação neste espaço que o senhor utiliza regularmente para emitir suas opiniões. Bem vamos ao que interesse, pois não fui o primeiro e nem serei o ultimo atingido pelos “donos” da informação.

Inicialmente gostaria de informa-lo que as universidades federais públicas, juntamente com as estaduais, constituem em um patrimônio do povo brasileiro. É nela que se desenvolve 80% da pesquisa cientifica, e de grande parte da pesquisa tecnológica e da inovação, realizada em nosso país. O ensino oferecido é de melhor qualidade, ao compararmos com a maioria das instituições privadas, salvo exceções das Pontífices Universidades Católicas e outra aqui, acolá. As estatísticas confirmam a qualidade das instituições públicas. Infelizmente a nível internacional não estamos assim tão bem “na fotografia”, principalmente devido aos ataques constantes por parte dos sucessivos governos com motivações neoliberais (universidade é para formar profissionais para o mercado, afirmam). E também pelo sucateamento a que estamos sendo submetidos já há alguns anos, refletido no aumento do dinheiro publico repassado para a educação privada, e consequentemente, com a diminuição dos recursos para as universidades públicas.  

Como consequência desta transferência de recursos públicos, hoje mais de 80% das vagas são oferecidas pelas faculdades, institutos superiores, e universidades privadas. Grandes “escolões” de formação (?) duvidosa, questionável, de mão de obra.  O senhor deve lembrar que, há 30 anos, tínhamos mais de 80% das vagas oferecidas pelas universidades publicas. Fenômeno semelhante ao que aconteceu e desmantelou o ensino publico de 2º grau. Qualquer semelhança não e mera coincidência. Hoje a educação é uma mercadoria, e a de melhor qualidade fica restrita a quem tem dinheiro para pagar, aumentando assim o fosso da desigualdade social.

A greve é um legitimo direito conquistado dos trabalhadores, e os docentes das universidades são trabalhadores da educação, cujo patrão, é o governo de plantão. Não somos considerados e nem tratados como carreira de Estado. Demonizar a greve serve a quem?

Engano seu apontar que os únicos que sofrem as consequências da greve são os estudantes. Ledo engano, que espero não seja proposital e sim pela falta de informação. Os docentes comprometidos também são penalizados, pois o calendário fica desarranjado, desestruturado, e pedagogicamente é uma catástrofe. O docente tem família, filhos, projetos acadêmicos em andamento, pesquisas, enfim compromissos que com a greve acaba trazendo enormes transtornos. Mas, sem duvida quem paga o maior preço é a sociedade, o país.

Com relação à greve propriamente dita o governo federal tem agido de forma perniciosa, autoritária e ilegítima, utilizando-se de manobras para confundir não só os docentes, mas a sociedade, sobre o próprio sentido dessa greve, a reestruturação da carreira e o próprio conceito de instituição de ensino pelo qual lutamos. Sem dúvida o senhor se confundiu também.

A estratégia dispensada no tratamento da greve pelo ”patrão”, o governo federal, foi inicialmente ignorá-la, acobertando suas reais causas, prolongando o máximo possível à negociação com os grevistas, na tentativa de vencer pelo cansaço e de jogar a população contra os professores, chamando-os de “intransigentes” e “radicais”, sem ao menos discutir suas reivindicações.

A decretação da greve aconteceu de forma democrática em assembleias lotadas, demonstrando o profundo descontentamento da categoria com a forma desrespeitosa com que o governo trata a carreira docente e das condições de trabalho de ensino, pesquisa e extensão, em particular nas expansões desordenadas realizadas sem garantia da qualidade acadêmica. A causa em particular foi o descumprimento de um acordo feito entre o governo federal com a representação da categoria, o Sindicato Nacional dos Docentes de Ensino Superior (ANDES) no ano passado, que resultou no uso extremo do recurso da greve. Além do mísero reajuste de 4%, havia sido acordado que o governo, em março de 2012, apresentaria uma proposta para a carreira dos docentes, que nos últimos anos foi totalmente desestruturada e avacalhada, tratando de forma desigual, aqueles que desempenham as mesmas funções; tornando-a assim menos atrativa a carreira de professor universitário. É esta a questão que está em jogo na greve das universidades federais.

Quando o senhor cita o artigo do Prof. Gauss, e fala de docentes que mesmo ganhando gratificação por dedicação exclusiva não cumprem sua carga horaria, esta situação não pode ser generalizada, ao contrario são casos isolados. Como já escrevi ao diretor do CCEN este é um problema administrativo, ou seja, de inteira responsabilidade da administração central da Universidade que se omite. Nestes casos, identificados os infratores do contrato de trabalho que assinaram, deveriam sofrer um processo administrativo, com ampla defesa. Comprovado o ilícito, a penalidade deveria ser aplicada. Não será apenas denunciando genericamente estes problemas de forma leviana que eles serão resolvidos. É necessário atitude dos administradores (chefes de departamento, diretores de centro, órgão superiores e do reitor) frente a estas situações anômalas e esdrúxulas. Não se pode utilizar de casos isolados para atingir os legítimos anseios da maioria de docentes que luta por uma universidade pública, gratuita, de qualidade e compromissada socialmente.

Parece-me que o senhor, no afã de desqualificar a greve como legitimo instrumento de defesa do mundo laboral, aponta sua metralhadora na direção errada. E mais, um artigo como o que escreveu em nada contribue para a melhoria do ensino, da pesquisa e da extensão em nosso país. Ao contrário incita, tenta sim jogar a sociedade contra os docentes, que também são reféns dos governos que não tratam a educação brasileira com o respeito que ela merece.

Convido-o a se informar mais sobre o que acontece com a educação, em particular a educação superior em nosso país,

Saudações universitárias,

Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco
(desde 1978)