terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Estratégia do governo para reduzir o custo da energia não é correta *

Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco

Sem transparência, sem debate, com a arrogância e prepotência que é a marca registrada de dirigentes do setor elétrico e, principalmente, sem um diagnóstico amplo sobre as reais razões da explosão tarifária ocorrida nos últimos anos.

Assim foi imposta uma estratégia para reduzir o custo da energia para o consumidor final, a partir das regras contidas na MP 579.

O uso da redução da tarifa como um instrumento de política pública para a renovação das concessões no setor elétrico foi o caminho encontrado pelos sábios. Os mesmos que levaram as tarifas elétricas a alcançarem patamares extorsivos para a economia brasileira.

Criticar a MP 579 e seus "filhotes" (portarias 578, 579, 580, 591 e o decreto 7.850) não é ter posição contra a redução das tarifas de energia elétrica, que é um clamor nacional.

Ao contrário, é denunciar que, mais uma vez, as nossas empresas públicas do setor elétrico serão usadas para objetivos fora de sua competência, como tem ocorrido tradicionalmente.
Elas serão colocadas em risco em nome da política de redução de preço da energia.

O que se tenta evitar é chegar a uma situação indesejável para toda a sociedade: o comprometimento da qualidade na prestação do serviço elétrico, causado pela redução drástica do faturamento das empresas estatais, verdadeiro patrimônio do povo brasileiro, levando-as ao sucateamento. Sem dúvida a empresa mais afetada foi a Eletrobrás, estatal federal, cuja diretoria não entrou em polêmicas públicas com sua controladora, a União.

Vários setores da sociedade criticaram o método, o conteúdo, e a oportunidade da edição da MP 579 (véspera da eleição municipal).

Determinar a fixação das tarifas de geração pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é preocupante. É exatamente ela que foi e é responsável por definir as tarifas de distribuição, que tanto têm onerado os consumidores.

A questão energética está sendo decidida de forma autoritária por um número reduzido de pessoas, levando a duvidar sobre a capacidade e isenção de se formular e executar uma política energética que vise os interesses do povo brasileiro.

A energia elétrica é estratégica para o país, não pode simplesmente ficar nas mãos de economistas e advogados. Os engenheiros e técnicos do setor, assim como a sociedade, tem de participar, opinar.

Eles apontariam os riscos da medida atual: o que está sendo imposto levará ao corte significativo de receitas das empresas, em alguns casos de até 80%, o que certamente acarretará na perda da qualidade do sistema elétrico e do conhecimento técnico adquirido por décadas --sem dúvida, haverá corte de pessoal para conter despesas.

E o pior é que a prorrogação das concessões não mudará em nada o custo da energia no Brasil. Os aumentos previstos nos próximos anos vão absorver toda a redução da tarifa obtida com a medida provisória.

Positivamente, alguns encargos serão extintos, mas isso não interferirá no ponto nevrálgico que tem garantido os elevados custos da energia: os contratos draconianos feitos desde os anos 1990, permitindo retornos e lucros exorbitantes para algumas empresas --em particular as distribuidoras.

Não adianta somente impor tarifas menores na geração sem mexer na distribuição, cujas empresas ano após ano, depois da privatização, têm apresentado nos seus balanços contábeis lucros extraordinários para a realidade brasileira.

É imperativo que prevaleça no setor elétrico um modelo participativo e regionalizado do planejamento. Que se democratize e torne transparentes as decisões dos gestores deste setor. E que seja extirpado de vez a interferência de grupos políticos que tornaram o Ministério das Minas e Energia um verdadeiro feudo.

 * Publicado no Jornal Folha de São Paulo (08/12/2012), em Tendências e Debates respondendo a questão: Estratégia do governo para reduzir o custo da energia é correta?

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A rotina dos “apaguinhos” de energia

Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco


A promessa de que o processo de privatização do setor elétrico, em particular das distribuidoras de energia elétrica favoreceria a concorrência e assim ofereceria melhor qualidade dos serviços e a modicidade nas tarifas, acabou sendo uma enorme decepção para aqueles que nutriram esperanças na transferência da gestão pública para a privada.

Hoje com as distribuidoras 100% privatizadas, a tarifa paga pelo consumidor brasileiro é uma das mais caras do mundo. E a qualidade dos serviços deteriora ano a ano com os sucessivos “blecautes” atingindo vários estados brasileiros, quer por problemas na geração, como também na transmissão da energia. A justificativa das autoridades do setor, que enxergam o consumidor como “bobo da corte”, recaem quase sempre sobre fenômenos naturais (temporal, enchentes ou seca) e/ou falhas humanas. Todavia o problema é mais grave e teve inicio nas mudanças ocorridas em 1995, quando o setor elétrico passou a ser gerido pelas leis de mercado. Hoje a falta de investimentos em novos equipamentos, na qualificação de pessoal, na fiscalização e essencialmente na gestão do sistema nacional integrado são as principais causas das sucessivas interrupções no fornecimento de energia.

Além do problema que tem suas causas na geração e na transmissão, com ampla repercussão na mídia nacional e internacional, têm-se as recorrentes quedas de energia nas cidades atendidas pelas distribuidoras estaduais, penalizando o consumidor. A fiscalização deste serviço é de responsabilidade da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que conveniada com as Agências Reguladoras Estaduais é quem deveriam monitorar a prestação dos serviços das concessionárias estaduais.

A Aneel por sua vez para incentivar a melhoria dos serviços prestados a população, a partir da visão do consumidor residencial, concede anualmente o Premio “Índice Aneel de Satisfação do Consumidor – IASC” para as concessionárias melhores avaliadas. O IASC é o resultado de uma pesquisa amostral realizada diretamente junto ao consumidor abrangendo a área de concessão das 63 distribuidoras do país. Para esta verificação são realizadas entrevistas com um pequeno número de consumidores de cada distribuidora. Este numero de questionários aplicados depende do numero total de consumidores de cada empresa  No caso da Companhia Energética de Pernambuco, para uma clientela em torno de 3 milhões de consumidores, são 450 questionários para todo o Estado (selecionados alguns municípios), incluindo pouco mais de 100 questionários para Recife.

Em 2011 para concessionárias com mercado maior que 1 TWh, a Celpe foi classificada na 4ª posição entre 33 empresas. O que a coloca a níveis de eficiência que a situam entre as melhores distribuidoras de energia do Brasil. Esta classificação deveria possibilitar uma comparação da qualidade dos serviços prestados pelas concessionárias. Mas não é o que acontece. O ranking foi elaborado com base no Indicador de Desempenho Global de Continuidade (DGC), é que permite avaliar o nível da continuidade dos serviços prestados pela distribuidora (valores apurados de duração e freqüência de interrupções) em relação aos limites estabelecidos para a sua área de concessão (limites determinados pelas resoluções autorizativas da Aneel). As distribuidoras são avaliadas em diversos aspectos do fornecimento de energia elétrica através dos indicadores de continuidade como o DIC que é a duração de interrupção individual por unidade consumidora, ou seja, o intervalo de tempo que, no período de apuração, em cada unidade consumidora ocorreu descontinuidade da distribuição de energia elétrica; o FIC, que é a freqüência de interrupção individual por unidade consumidora, logo o número de interrupções ocorridas, no período de apuração, em cada unidade consumidora; e o DMIC é a duração máxima de interrupção contínua por unidade consumidora, ou seja, o tempo máximo de interrupção contínua de energia elétrica, em uma unidade consumidora. 

Os indicadores FIC, DIC e DMIC são estampados na fatura de energia elétrica enviada ao consumidor, em um pequeno quadro “Duração e Freqüência das Interrupções”. São mostrados o valor apurado pela companhia (mensal e trimestral) e os limites máximos autorizados pela Aneel. O que chama a atenção é que os valores apurados pela Celpe são imutáveis. Mesmo tendo o consumidor verificado naquele mês um maior número de interrupções do que o mês anterior, esta situação não modifica os valores apurados e indicados na fatura. Lembrando que na fatura é também informado que o cliente poderá a vir a ser compensado quando há violação em relação aos índices pré-estabelecidos pela Aneel. Todavia a falta de credibilidade dos índices apontados pela companhia é total, e não serve para o consumidor verificar se houve ou não descumprimento na prestação do serviço, e assim poder reivindicar seu direito de consumidor.

O caso de Pernambuco é emblemático, pois é grande a freqüência das interrupções no abastecimento de energia ocorridas não só na capital, como nas cidades interioranas. Já algum tempo a queda de energia nos bairros de Recife e em outras cidades atendidas tornou uma rotina, mas infelizmente estes episódios não têm a visibilidade de um apagão atingindo vários estados brasileiros ao mesmo tempo. Mas que não são menos importantes, pois os chamados “apaguinhos” trazem os mesmos problemas e transtornos. Os jornais, as rádios e os órgãos de defesa do consumidor é quem reverbera as denúncias e a insatisfação do consumidor pernambucano.

A situação atingiu tal nível de insatisfação que até o atual governador, em um momento raro de defesa dos interesses da população, acusou publicamente a empresa de “não gostar de pobre”. Este fato ocorreu na solenidade de lançamento do Programa Chapéu de Palha no município de Afogados da Ingazeira (380 km de Recife), Neste dia, fez sérias acusações a Celpe de não fazer obras para os pobres, acusando-a de boicotar ações contra a seca, atrasando obras dos Governos Federal e Estadual, apesar de ter lucrado em 2011 mais de R$ 400 milhões, e de ter enviado seus lucros para a Espanha. Também criticou a imprensa, por não denunciar a Celpe por ser uma forte anunciante desses veículos. Pura retórica populista.

É bom que se diga, que não é somente com a prestação de serviços elétricos que o cidadão sofre “as duras penas”, mas também com a qualidade dos serviços de água e esgoto, na área de saúde, telefonia, com as companhias aéreas, entre outras. Reclamar a quem? Só se for ao Bispo de Itu, pois as autoridades responsáveis, não estão nem ai. Fazem de conta que o problema não existe. Vivem em outro planeta.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Indenização e tarifas para as usinas da CHESF

Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco

A Portaria no578 do Ministério de Minas e Energia (MME), publicada em 1º de novembro, apresentou a tabela com as novas tarifas para as empresas geradoras de energia com base no valor do custo da Gestão dos Ativos de Geração - GAG. Já a Portaria Interministerial, desta mesma data, do Ministério da Fazenda (MF) e do MME de nº 580, definiu os valores de indenização de geração e de transmissão dos concessionários destes serviços, que optarem por antecipar os efeitos da prorrogação das concessões, conforme dispõe a Medida Provisória (MP) nº 579. Para as usinas hidrelétricas foi considerada para as indenizações o Valor Novo de Reposição - VNR, referenciados a preços de junho de 2012, conforme estudos realizados pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE.

Agora inicia outra etapa, em que as empresas terão até o dia 4 de dezembro para decidir se aceitam ou não as condições impostas. De acordo com o divulgado, a companhia com mais ativos a serem indenizados foi a Chesf, com cinco hidrelétricas, seguidas por Furnas e Cesp, com duas.  A lista conta com 15 ativos não amortizados e depreciados (que correspondem a 20% da eletricidade gerada no Brasil). Ou seja, não foram contempladas pelos cálculos do governo, e não receberão indenização outras 67 hidrelétricas que tiveram seus pedidos de renovação dos contratos de concessão autorizados recentemente pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A soma dos valores a serem pagos as geradoras é de R$ 7,1 bilhões.

De acordo com os cálculos do Governo Federal, a Chesf receberá R$ 5,1 bilhões. Entraram na lista: Xingó (3.162 MW) - com o maior valor de todas as hidrelétricas, de R$ 2,925 bilhões, Paulo Afonso IV (2.462 MW), com R$ 360,472 milhões, Itaparica/Luiz Gonzaga (1.687 MW), com R$ 1,687 bilhões, Moxotó/Apolônio Sales (400 MW), com R$ 84,612 milhões, e Boa Esperança (237,5 MW), com R$ 72,783 milhões. Por sua vez as demonstrações financeiras e relatório da administração de 2011 informam um total de ativos não amortizados da ordem de R$ 14 bilhões de reais. A diferença é de praticamente R$ 9 bilhões que a Chesf perderá, caso aceite a proposta.

Já com relação às tarifas a serem cobradas pelas usinas que totalizam uma potência instalada de 9.212,51 MW, ficou assim: Complexo Paulo Afonso (Moxotó/Aplonio Sales, Paulo Afonso II, Paulo Afonso II e Paulo Afonso IV), a nova tarifa será de R$ 3,41/MWh,  Xingó de R$ 4,06/MWh, Itaparica/Luiz Gonzaga de R$ 4,87/MWh, Boa Esperança de R$ 7,62/MWh, Funil (30 MW) de R$ 11,84/MWh, Araras (4 MW) de R$ 4,44/MWh e Pedra (20,01 MW) de R$ 9,43/MWh. Como os valores da tarifa não foi apresentado em R$/MW, e sim em R$/kWano (invenção dos “especialistas”), em uma análise preliminar convertemos para a unidade usual dividindo os valores iniciais pelo fator 8,76. Cálculos mais definitivos podem apresentar pequenas variações nos valores encontrados em R$/MW, mas certamente não modificarão significativamente o efeito devastador para a receita da empresa destes valores irrisórios encontrados por uma metodologia desconhecida.

Sem a menor dúvida as novas tarifas das geradoras trarão enormes problemas para o equilíbrio financeiro das empresas estatais. No caso da Chesf o atual preço médio da energia cobrado é atualmente de R$ 92,00/MW. Os novos valores médios (calculado simplesmente como a média aritmética) será de R$ 6,52/MWh, portanto uma redução de 93%. Pode-se dizer que o custo da energia não irá baixar, apenas será vendida, como afirma o governo, incluindo os custos regulatórios de operação, manutenção, administração, entre outros, sem remunerar o seu valor. Segundo estudos realizados por técnicos da Chesf o valor mínimo do MWh para a cobertura dos vários encargos da empresa seria de R$ 67,00. O governo calculou e impôs um valor 10 vezes menor.

Pode-se imaginar que a curto prazo, a companhia ficará bem capitalizada pelo volume do ressarcimento, que somado a indenização dos ativos de transmissão de R$ 1,58 bilhões totalizará R$ 6,7 bilhões, que poderá ser sacado a vista ou em parcelas.  Todavia a receita anual via tarifa, obtida pela Chesf e pelas outras geradoras estatais, despencará. A empresa terá praticamente um mês para revisar seus cálculos e decidir se quer ou não renovar os contratos até 31 de outubro de 2042.

O debate agora será no campo legislativo, já que estão marcadas para as próximas semanas as audiências públicas na Comissão Especial da MP nº 579, que trouxe as regras para a renovação das concessões. A bola agora está com o Congresso. Os parlamentares sofrerão a pressão democrática da sociedade organizada, e espera-se que o interesse público prevaleça, ou seja, mantendo fortes as estatais elétricas.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Carminha e a seca no Nordeste

Heitor Scalambrini Costa

Professor da Universidade Federal de Pernambuco



É reconhecido não só no país a qualidade das telenovelas brasileiras que tem grande aceitação em várias partes do mundo como produto de entretenimento. 

A novela “Avenida Brasil”, que teve em seus últimos capítulos record de público (em torno de 80 milhões de pessoas), foi recentemente a grande sensação nacional. Estima-se que de cada 3 televisores ligados, 2 estavam sintonizados na novela. Nos dias que antecederam o término do folhetim o assunto da grande mídia foi à abordagem diária com relação ao destino dos personagens. O horário de exibição das 21 às 22 horas, era sagrado, e tudo parou no país. O mais importante era saber quem matou Max? O que acontecerá com Carminha? E Tufão?  Obviamente este interesse maciço da população trouxe enormes benefícios financeiros para a rede de televisão que transmitiu a novela. Fala-se que ao longo dos meses de apresentação dos capítulos (março a outubro), mais de 1 bilhão de reais foram arrecadados com os anúncios feitos no horário nobre.

Mas o que tem haver este interesse midiatico pela telenovela com a seca no nordeste brasileiro que é noticiada desde os tempos do Império, e que traz tantas desgraças aos brasileiros e brasileiras da região?

A atual seca que atinge pouco mais de 15% do território brasileiro não é comum, é a pior no Nordeste das últimas três décadas. De acordo com especialistas, é mais intensa e acontece de 30 em 30 anos, em média. Assim como a seca deste ano, outras também marcaram a história do povo nordestino. As mais famosas foram as de 1983/84, 1935 e 1887, que provocaram a morte de quase 500 mil nordestinos. Segundo números do Ministério da Integração Nacional, 525 municípios da região estão em situação de emergência, e outros 221 sofrem efeitos da estiagem e aguardam avaliação da Secretaria Nacional de Defesa Civil.

Todavia a seca se repete ano a ano e tem causa natural. Daí não se pode combatê-la e sim conviver com ela. A carência de chuvas é típica de regiões semi-áridas, e tem se intensificado pelos danos ambientais e a total desproteção do rio São Francisco e de sua nascente, além do descontrole no uso da água na irrigação. São outras partes dessa equação desastrosa que traz tanto sofrimento e morte para as populações mais pobres.

A indústria da seca e o coronelismo ainda resistem à custa de tantas vidas perdidas. Sob novos nomes e novos programas, o que vemos é a continuação de um processo histórico com a perpetuação do sofrimento  e da miséria a favor do lucro de alguns. 

Em particular, neste contexto, vejamos o caso de Pernambuco. O Estado que tem se destacado pelos elevados índices de crescimento econômico, e pela propaganda exacerbada mostrando uma administração estadual moderna, com uma gestão eficiente e diferenciada de seus governantes; esconde a incompetência e a falta de interesse e compromisso político para dar inicio ao fim do flagelo que atinge hoje121 municípios (dos 185 existentes) que estão em situação de emergência. Segundo a assessoria de Comunicação Social da Casa Militar, existem 1.184.824 pernambucanos e pernambucanas (população total próxima a 8 milhões) afetadas pela estiagem. Dos 121 municípios atingidos, 59 são do Agreste, 56 do Sertão e 6 da Zona da Mata.

As medidas tomadas pelo governo federal são as mesmas de outros anos, liberação de recursos (anunciou da liberação de 2,7 bilhões de reais pelo Ministério de Integração Nacional, que nunca chega no destino final), distribuição de cestas básicas, carros pipas, etc, etc,... Quanto ao governo estadual foram anunciadas medidas paliativas, populistas, verdadeiras “esmolas” comparados aos investimentos públicos e privados de mais de 50 bilhões de reais que estão sendo investidos no Complexo de Suape. Infelizmente estes anúncios oficiais são insuficientes, pois faltam medidas de caráter definitivo. São “oportunistas” e contam com o apoio de lideranças de agricultores e representantes de organizações da sociedade civil cooptados, que se calam frente à tragédia recorrente, tornando verdadeiros cúmplices do massacre destas populações invisíveis aos olhos da sociedade.

Mas o que tem haver a telenovela com a seca? Bem, ao meu ver é a mobilização social em torno de um tema que diz respeito à vida real das pessoas é que poderá apontar na direção da solução deste problema secular. Na telenovela como visto na semana passada, houve uma incrível mobilização das pessoas, se reunindo em família, entre amigos, em bares, restaurantes para assistirem pela “telinha”, o destino dos personagens do drama fictício. Mas porque não mobilizar para acabar em definitivo com este drama da vida real? Não somente doando alimentos, e roupas, que muitas vezes não chegam aos que necessitam, mas pressionando diretamente os governantes, os políticos. Discutindo, estimulando o debate sobre o drama da seca, nas rádios, televisões, blogs, jornais, nas entidades de classe, pelos artistas, jogadores de futebol, pelo povo. Uma certeza que existe é que para acabar definitivamente com o flagelo da seca só depende da mobilização popular. 

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Onde foi parar a nossa Autonomia Universitária?

por Michel Zaidan Filho
Prof. do departamento de História da UFPE


            Quando da vitória do governo petista, em 2002, e do primeiro reitor identificado com os anseios da comunidade um universitária na UFPE, antevimos uma mudança substancial nas relações de poder entre  a administração, os docentes , os servidores  técnicos-administrativos e os alunos na nossa instituição.
 Tínhamos razão para esperar uma reitoria que representasse legitimamente o pensamento da comunidade acadêmica, autorizada pelo voto da maioria. Afinal, os dirigentes universitários até então encarnavam a vontade e os ditames do MEC, do Governo Federal, além é claro das injunções político-partidárias que sempre influíram na nomeação do escolhido para o cargo.

       Qual não foi a nossa surpresa em constatar que os “novos reitores” deviam obediência, não aos seus representados, mas sim ao Governo Federal, numa completa inversão de valores. Era o caso típico da chamada “servidão voluntária”, de que fala Rousseau, os novos dirigentes, eleitos democraticamente com os votos da comunidade universitária, passavam rapidamente a representar na UFPE os interesses e planos da burocracia ministerial de Lula. Poderíamos indagar das causas dessa estranha metamorfose: a explicação foi se revelando, ao fim de cada gestão. O “bom mocismo” dos reitores lhes garantia um cargo em Brasília. Tem sido assim, invariavelmente, com os ex-reitores da UFPE.

    Ocorreu com os nossos reitores, no governo petista, o que se passou com os movimentos  sociais: foram cooptados, viraram “chapa branca”, passaram a ser meros gerentes da vontade política do governo federal, perante a comum idade que  os elegeu. Quando o governo Lula propôs o REUNI, como condição para aumentar o investimento nas IES federais, aceitaram imediatamente, mesmo com o protesto dos docentes, de que tal oferta comprometia  a autonomia didático-científica das universidades. Mas os novos dirigentes   receberam essa modalidade de “neo-taylorismo“ na educação, de braços abertos, reintroduzindo a divisão entre professores “dadores de aula” e “professores pesquisadores”.  A universidade virava um colégio de 3º grau.

       Mas grave foi a fragilização da autonomia universitária, permitida pelos reitores “bons moços” perante os Procuradores Federais que, não só passaram a fazer tábula rasa dos instrumentos de controle e fiscalização da própria universidade federal, mas avançaram na investigação dos planos de curso,  os projetos de pesquisa, as licenças sabáticas, as palestras, seminários etc. como se fosse a sua competência admistrativa, fazer tal coisa. E tudo com a cumplicidade, a servidão silenciosa e covarde das instituições de ensino e pesquisa universitários. Se estivéssemos num Estado de Exceção, mesmo assim se levantariam vozes corajosas contra tão abuso. Mas num Estado de Direito democrático, o que dizer da servidão das universidades diante do Poder?

        Agora, vem o MEC empurrar de “goela abaixo” na comunidade universitária um projeto de lei que, simplesmente, retira das universidades o que resta de autonomia, no que diz respeito aos critérios que regem a ascensão funcional da categoria, sob a alegação de que vai dar (?) um aumento de até 45% aos professores! Acho que o governo petista nos trata como os telespectadores da Globo, idiotas, que “emprenham pelos ouvidos” tudo que ouvem ou veem. Paciência. É necessário dar um basta nessas ofensas sucessivas à dignidade da carreira universitária, para que os professores e servidores não acabem passando por meros clientes e serviçais, não do público ou da nação, mas dos governos de turno – seja de que lado ou cor for.     
                                                                                                                                                                    

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Golpe na ADUFEPE


Caros colegas grevistas,

            Outro golpe no movimento grevista docente está sendo forjado pelos agentes da burocracia conservadora da UFPE. Na última semana, chegaram informações na reunião do Comando Local de Greve de que “agentes” investidos de cargos de poder estão mobilizando professores de vários centros para organizar um “plebiscito” com o objetivo de pôr fim à greve dos docentes da UFPE. Isso por fora da instância decisória maior da  ADUFEPE, que é a Assembleia Geral.
            Entendo que essa movimentação reacionária é um ataque que pretende atingir não apenas a greve, mas a entidade de representação dos docentes, construída historicamente, com muita luta, desde os tempos do regime ditatorial, não podendo ser afrontada desta maneira. É lamentável que, a essa altura da greve, professores defendam essa proposta destrutiva da universidade pública brasileira e os métodos sujos que o governo Dilma está utilizando. Afinal de contas a UFPE é “plural”, e não apenas plural, é eivada pela contradição entre projetos de universidade e de sociedade.  Entretanto, não podemos nos furtar a agir contra essa tentativa de desmantelamento sindical, receita utilizada pelos governos neoliberais no mundo inteiro, como forma de quebrar os instrumentos de luta dos trabalhadores e impor sua lógica privatista, produtivista e desumanizadora nas fábricas, empresas e instituições públicas.
            O projeto do Governo Dilma para a universidade brasileira vem sendo desmascarado pelo movimento docente organizado nos sindicatos, que resiste bravamente ao modelo privatista. O braço sindical lacaio do governo Dilma, o PROIFES, foi atropelado por suas bases, mas seu espírito golpista permanece vivo em alguns setores da UFPE que, ao que parece, querem ressuscitá-lo. Precisamos resistir a mais esse ataque!
            Não faço parte da direção da ADUFEPE, nem apoiei a chapa que venceu as últimas eleições. Mas reivindico e defendo a importância da entidade, as regras constantes no seu regimento e a cultura política democrática em permanente construção pelo movimento docente. A tentativa de professores que não entraram na greve, saírem dela através do golpismo burocrático, construindo eventos paralelos, abre espaço para outras formas de autoritarismo disfarçado de democracia, sem espaço para o debate público aberto.
            Estamos em um momento fantástico da greve nacional dos docentes da IFES.  A maioria das universidades brasileiras, confirmam a disposição de permanecerem em greve. Ultrapassamos o dia 31 de agosto e o governo encaminhou o PL da Carreira Docente para a Câmara Federal. Audiências públicas sobre o tema estão sendo iniciadas no Congresso Nacional e nas assembleias legislativas nos estados do Brasil inteiro. O governo federal fechou a porta para não debater o projeto. Agora o debate é público e outros agentes entram em cena. As portas do Congresso Nacional são abertas ao povo. Emendas podem ser propostas ao PL da Carreira. A oposição vai esquentar o debate. Se sairmos da greve perderemos essa oportunidade histórica de aprofundar o debate sobre a Educação e a Universidade Pública, Gratuita e de Qualidade para o Brasil.

Jamerson Antônio de Almeida da Silva
Prof. da UFPE/Centro Acadêmico do Agreste


terça-feira, 4 de setembro de 2012

Necrológio em lembrança de Denis Antonio Mendonça Bernardes


por Michel Zaidan Filho. Prof. do departamento de História da UFPE



  É com muito pesar e uma imensa tristeza que acolhemos, nesse início de setembro, a notícia do falecimento de Denis Antonio Mendonça Bernardes, militante, professor,  historiador e editor do departamento de Serviço Social, da UFPE. Todos nós, que o conhecíamos de muito e muito tempo, sentiremos sua falta. Mas a comunidade dos historiadores sentirá mais ainda, sobretudo por ter sido privada do seu convivio, do seu magistério, da sua filosofia e da sua ciência. Denis foi um estudioso preparado - e muito bem preparado - para se aprofundar nos meandros da nossa história colonial e neo-colonial, tanto quanto nos estudos regionais do NE e da cidade do Recife. Teve grandes mestres dentro e fora da ufpe: Enilda pessoa, José Antonio Gonçalves melo Neto, Frederic Mauro, Pierre Nora e outros. 

Denis tinha um talento e uma vocação  natos para a pesquisa e o ensino de História. Sua calma, sua discrição, seu saber, sua inegável dedicação à pesquisa de alfarrabios,  pergaminhos, documentos antigos, arquivos e bibliotecas, tudo isso fazia dele um herdeiro incotestável dos grandes historiadores de pernambuco,a quem - aliás- dedicou mais de uma exposição ou edição crítica. A Universidade Federal de Pernambuco contraiu uma enorme dívida consigo: permitiu que uma das oligarquias familiares mais atrasadas da UFPE o afastasse do magistério da História, por mero capricho e abuso de autoridade. 

Mas o serviço Social o acolheu e ele teve a orportunidade de levar adiante suas pesquisas do doutorado, nos brindando com um grande livro, publicado pela HUCITEC, onde estava também um amigo comum, já falecido, Gildo Brandão Marçal. Lembro a primeira vez que fui vê-lo, em sua casa - em Olinda - para levá-lo a lecionar História Medieval, na Universidade Católica, pelos idos de 1975.

A acolhida amplamente favorável que teve ao convite. D epois, reencontrei-o  na Pós-graduação de História, ensiando o que havia de mais moderno na disciplina, inspirado  na historiografia francesa. Depois, venho a diáspora e o revi na UFPE, já no depto. de Serviço Social. Desde essa época, Denis foi meu parceiro indefectível em vários seminários, simpósios e  mesas redondas. Nunca  deixei de prestigi-lo, enquanto estava ativo. Ultimamente estava como editor da rediviva Estudos Universitários. Ainda acalentava a ilusão de convidá-lo para um seminário sobre manifestações operárias e socialistas em PE, foi quando soube que estava com cancer. Tomei um susto.  Embora de compleição frágil, Denis trabalhava como um "mouro" e estava em dois Programas de Pós-graduação. 

A notícia de sua morte, num fatídico fim de semana, nos pegou desprevenido. mais ainda o seu funeral em Maceió. Fica aqui registrada a homenagem e a despedida que não pude fazer, de corpo presente, a ele. Fica também um legado de cordialid ade, amizade, fidelidade e integridade que nunca será destruído por ninguém.

CARTA RESPOSTA AO ARTIGO DE OPINIÃO PUBLICADO PELO JORNALISTA JURACY ANDRADE NO JORNAL DO COMMERCIO DE 1/9/2012


Recife, 2 de setembro de 2012

Prezado jornalista,

Fui surpreendido negativamente pelo seu artigo publicado no JC (1/9) intitulado “Greves contra o povo” (confira aqui o artigo). Em particular, quando menciona a greve das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), mostrando uma descomunal desinformação do missivista.

Preferia responder a estas ácidas criticas através de um artigo de opinião, desde que tivesse o mesmo espaço que utilizou. Mas infelizmente, já algum tempo, meus textos são censurados pelo editor do JC. Ele infringiu este cerceamento, desde o dia que um mesmo artigo meu foi publicado simultaneamente no JC e no DP. Acusou-me naquela época, de ser responsável por este episodio, por algo, a meu ver, de inteira responsabilidade (se é que há culpados nesta estória) dos respectivos editores. Desde então, meus textos nunca mais foram aceitos para publicação neste espaço que o senhor utiliza regularmente para emitir suas opiniões. Bem vamos ao que interesse, pois não fui o primeiro e nem serei o ultimo atingido pelos “donos” da informação.

Inicialmente gostaria de informa-lo que as universidades federais públicas, juntamente com as estaduais, constituem em um patrimônio do povo brasileiro. É nela que se desenvolve 80% da pesquisa cientifica, e de grande parte da pesquisa tecnológica e da inovação, realizada em nosso país. O ensino oferecido é de melhor qualidade, ao compararmos com a maioria das instituições privadas, salvo exceções das Pontífices Universidades Católicas e outra aqui, acolá. As estatísticas confirmam a qualidade das instituições públicas. Infelizmente a nível internacional não estamos assim tão bem “na fotografia”, principalmente devido aos ataques constantes por parte dos sucessivos governos com motivações neoliberais (universidade é para formar profissionais para o mercado, afirmam). E também pelo sucateamento a que estamos sendo submetidos já há alguns anos, refletido no aumento do dinheiro publico repassado para a educação privada, e consequentemente, com a diminuição dos recursos para as universidades públicas.  

Como consequência desta transferência de recursos públicos, hoje mais de 80% das vagas são oferecidas pelas faculdades, institutos superiores, e universidades privadas. Grandes “escolões” de formação (?) duvidosa, questionável, de mão de obra.  O senhor deve lembrar que, há 30 anos, tínhamos mais de 80% das vagas oferecidas pelas universidades publicas. Fenômeno semelhante ao que aconteceu e desmantelou o ensino publico de 2º grau. Qualquer semelhança não e mera coincidência. Hoje a educação é uma mercadoria, e a de melhor qualidade fica restrita a quem tem dinheiro para pagar, aumentando assim o fosso da desigualdade social.

A greve é um legitimo direito conquistado dos trabalhadores, e os docentes das universidades são trabalhadores da educação, cujo patrão, é o governo de plantão. Não somos considerados e nem tratados como carreira de Estado. Demonizar a greve serve a quem?

Engano seu apontar que os únicos que sofrem as consequências da greve são os estudantes. Ledo engano, que espero não seja proposital e sim pela falta de informação. Os docentes comprometidos também são penalizados, pois o calendário fica desarranjado, desestruturado, e pedagogicamente é uma catástrofe. O docente tem família, filhos, projetos acadêmicos em andamento, pesquisas, enfim compromissos que com a greve acaba trazendo enormes transtornos. Mas, sem duvida quem paga o maior preço é a sociedade, o país.

Com relação à greve propriamente dita o governo federal tem agido de forma perniciosa, autoritária e ilegítima, utilizando-se de manobras para confundir não só os docentes, mas a sociedade, sobre o próprio sentido dessa greve, a reestruturação da carreira e o próprio conceito de instituição de ensino pelo qual lutamos. Sem dúvida o senhor se confundiu também.

A estratégia dispensada no tratamento da greve pelo ”patrão”, o governo federal, foi inicialmente ignorá-la, acobertando suas reais causas, prolongando o máximo possível à negociação com os grevistas, na tentativa de vencer pelo cansaço e de jogar a população contra os professores, chamando-os de “intransigentes” e “radicais”, sem ao menos discutir suas reivindicações.

A decretação da greve aconteceu de forma democrática em assembleias lotadas, demonstrando o profundo descontentamento da categoria com a forma desrespeitosa com que o governo trata a carreira docente e das condições de trabalho de ensino, pesquisa e extensão, em particular nas expansões desordenadas realizadas sem garantia da qualidade acadêmica. A causa em particular foi o descumprimento de um acordo feito entre o governo federal com a representação da categoria, o Sindicato Nacional dos Docentes de Ensino Superior (ANDES) no ano passado, que resultou no uso extremo do recurso da greve. Além do mísero reajuste de 4%, havia sido acordado que o governo, em março de 2012, apresentaria uma proposta para a carreira dos docentes, que nos últimos anos foi totalmente desestruturada e avacalhada, tratando de forma desigual, aqueles que desempenham as mesmas funções; tornando-a assim menos atrativa a carreira de professor universitário. É esta a questão que está em jogo na greve das universidades federais.

Quando o senhor cita o artigo do Prof. Gauss, e fala de docentes que mesmo ganhando gratificação por dedicação exclusiva não cumprem sua carga horaria, esta situação não pode ser generalizada, ao contrario são casos isolados. Como já escrevi ao diretor do CCEN este é um problema administrativo, ou seja, de inteira responsabilidade da administração central da Universidade que se omite. Nestes casos, identificados os infratores do contrato de trabalho que assinaram, deveriam sofrer um processo administrativo, com ampla defesa. Comprovado o ilícito, a penalidade deveria ser aplicada. Não será apenas denunciando genericamente estes problemas de forma leviana que eles serão resolvidos. É necessário atitude dos administradores (chefes de departamento, diretores de centro, órgão superiores e do reitor) frente a estas situações anômalas e esdrúxulas. Não se pode utilizar de casos isolados para atingir os legítimos anseios da maioria de docentes que luta por uma universidade pública, gratuita, de qualidade e compromissada socialmente.

Parece-me que o senhor, no afã de desqualificar a greve como legitimo instrumento de defesa do mundo laboral, aponta sua metralhadora na direção errada. E mais, um artigo como o que escreveu em nada contribue para a melhoria do ensino, da pesquisa e da extensão em nosso país. Ao contrário incita, tenta sim jogar a sociedade contra os docentes, que também são reféns dos governos que não tratam a educação brasileira com o respeito que ela merece.

Convido-o a se informar mais sobre o que acontece com a educação, em particular a educação superior em nosso país,

Saudações universitárias,

Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco
(desde 1978)