segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O FANTASMA DA QUANTOFRENIA NAS PÓS-GRADUAÇÕES

O FANTASMA DA QUANTOFRENIA[1] NAS PÓS-GRADUAÇÕES: PERVERSÕES SÁDICAS[2] COMO PRÁTICA POLÍTICO-PEDAGÓGICA[3].

O tema da “avaliação” e da “qualidade” está em moda atualmente – quase que como sinônimos. Estruturas e políticas perversas, sádicas, estão sendo implantadas paulatinamente em nossas vidas no cotidiano das instituições. E como tal, elas não estão sendo refletidas. As Pós-Graduações, inclusive a nossa, vêm defendendo uma concepção perversa, de punição e de retaliação, como fazer político-pedagógico, mas não reconhecem essa prática. Não se vê nessa prática. Isso não é novo na história. Quantos ex-escravos no Brasil Colônia se aliaram às instituições da Casa-Grande e ao sistema repressivo policial e passaram a combater (“dedurar” e participar de práticas violentas) os seus irmãos?[4] Se tomarmos, também, o nazismo e os torturadores a serviço dos governos militares/civis e seus apoiadores no Brasil, nenhum destes reconhece que fez o mal. Dependendo do grau de compromisso com essas instituições mortíferas, uns, plenamente, desconhecem seu envolvimento; outros, que as defendem abertamente, argumentam que lutavam contra um mal maior e, portanto, as violências e os assassinatos foram necessários.

Docentes, não se sintam agredidos por tal comparação. Óbvio que vocês não são nem torturadores e nem nazistas, e nem capatazes – nem conceitualmente, nem historicamente e nem politicamente. Contudo, temos que aceitar: a lógica estruturante é a mesma. Isso é o que importa para a análise e a auto-análise. Por isso, Félix Guatarri, diz-nos que “Hitler ainda está vivo”: “nos sonhos, nos delírios, nos filmes, nos comportamentos torturadores dos policiais...”.[5]

Assim, o mesmo ocorre com essa política de “produtividade”, de “qualidade”, das instituições. Aplicam as políticas, mas não assumem as suas consequências. Bresser Pereira, ideólogo e coordenador das políticas neoliberais no Brasil, agora, escreve contra as políticas neoliberais com o mesmo afã com que a defendia. Cínico, escroto (Titãs, belo rock transgressor), cara de pau? Um pouco disso tudo e, talvez, algo mais.

O professor português, Doutor Almerindo J. Afonso, da Universidade do Minho, que esteve aqui recentemente, proferindo uma palestra, questionou, indagou: “pra que avaliar”? Disse ele: “os docentes nem mais se indagam hoje sobre isso, apenas discutem qual a melhor avaliação” (citação de sentido e não literal). Imediatamente todos olharam pra mim porque defendi recentemente o FIM da avaliação, da nota e da chamada – infelizmente não dá para teoricamente desenvolver a tese do “fim” da avaliação aqui. No momento contemporâneo não se pode discutir o “FIM” nesse período fantasmático, pois está “proibido” blasfemar, romper com o sagrado (resultado e produtividade).

Na verdade, entendo a avaliação como uma instituição imaginária social (um fantasma, no sentido castoriadiano) que está nos assombrando, fazendo parte de nossas vidas, como se existisse a priori e não fosse nossa criação imaginária[6] – evidentemente, inventada e fortalecida pelas grandes organizações midiáticas, pelos Estados e pelas empresas. Delírios, delírios, delírios são a avaliação.

Ora, como delírio, quem criticar a avaliação será percebido, certamente, como um “inimigo”, uma ameaça e um “incompetente”, um “incapaz”. Na verdade, as pessoas estão incorporando sua “incompetência” e estão incapazes de reagir aos fantasmas: frequência, pontos, hierarquizações de veículos, tempo controlado (mas são de corpos biológicos, têm uma narrativa cronológica, psíquica, cultural e política), exposição pública como incompetente.

Se pensarmos direito, como estamos dominados pelo “fantasma”, nós não “publicamos”, somos “publicados”. Completamente dominados pela imaginação do chicote da “avaliação” – lembro-me de Edilson Fernandes -, não mantemos uma relação com o tempo, mas somos “temporalizados” pelos prazos; não produzimos saberes, somos dominados pelas palavras que precisam ser ditas, a qualquer custo, mesmo que não tenhamos grande coisa a dizer nesse momento, mas se exige que se diga; não mantemos um diálogo com os autores, mas os cuspimos freneticamente (Ah! Que saudade de Augustos dos Anjos!) para sermos reconhecidos em alguma perspectiva teórica; não temos objetos de pesquisa, mas somos objetificados pela ditadura das exigências “acadêmicas” (!?!?).

Essa ditadura do resultado imbeciliza-nos e idiotiza-nos cotidianamente. Como o importante é fazermos “pontos”, pra que debate? Pra que discussão? Pra que polêmica? Pra que projeto político-pedagógico? No máximo, um defensor ou alguém que já foi fabricado para pensar assim atua na organização de um seminário, chamando os afiliados aos Congressos, nas instituições, elaborando um texto, publicando e ficando na expectativa de ganhar “ponto” – objetivo central. Não tem sentido participar de debate (ou organizá-lo) quando não vale “ponto” (quantos docentes da Pós organizaram debates – polêmicos - recentemente que não valem pontos?). Qual a finalidade de um texto? O que eu quero com as minhas palavras? O que pretendo com as imagens que estão circulando nas minhas palavras? Quem concorda comigo ou discorda de mim? O meu texto mexeu com o coletivo humano? Isso não importa, o importante é que eu fiz “ponto” no lattes. O vazio – o Nada – reina nas universidades hoje. Ninguém tem nada a dizer, pois não tem mais o que dizer, já foi dito há muito tempo o que deveria ser dito – o “tempo”, a “história” morreu ( o futuro também não existe, morreu). Temos apenas que “produzir” palavras, no presente momento, pois é o único tempo existente, vazias de sentido, porque o que precisa ser dito, já foi dito há muito tempo e não há mais o que dizer. Nem o que recordar, rememorar, porque o presente é agora, o resultado é agora, você tem que provar agora que você merece a instituição. Passado e futuro não existem no domínio desse fantasma – se existir, apenas, de forma utilitária (o que dá no mesmo, a morte do tempo). Só o presente vale.

Ora, a predominância absoluta do presente leva-nos ao utilitarismo e ao sadismo. Aqueles que querem gozar da onipotência das produções visando ao “resultado” não podem reconhecer o Outro. O Outro é um objeto – literal. É uma peça – é um taylorismo mais sofisticado. Vincent de Gaulejac nos alerta de que Taylor é mais progressista que o mais novo gerencialismo quantitativista. E como peça, troquemo-la quando não mais nos servir. Tudo pelo resultado. Difícil de combater essa concepção porque esse fantasma não tem corpo, não tem matéria (são normas, instrumentos, números, dados estatísticos, resultados). Como diz Enriquez, o grande estrategista tem que ser “cool”, frio, indiferente. Não pode se permitir demonstrar sentimentos “femininos”. O importante é o resultado. Conforme Dejours, que escreveu “A banalização da injustiça social”, não são os "grandes homens” que fazem o mal, mas os medianos das organizações. São esses que demitem, aterrorizam seus subordinados em nome dos resultados e para serem reconhecidos pela organização. Como ele diz: “É em nome dessa justa causa que se utilizam, larga manu, no mundo do trabalho, métodos cruéis contra nossos concidadãos, a fim de excluir os que não estão aptos a combater nessa guerra: estes são demitidos da empresa, ao passo que dos outros, dos que estão aptos ao combate, exigem-se desempenhos sempre superiores em termos de produtividade, de disponibilidade, de disciplina e de abnegação”.

Enriquez defende que nunca o indivíduo esteve preso nas malhas da organização e “tão pouco livre em relação ao seu corpo, ao seu modo de pensar, à sua psique”.[7]

Há docentes na ANPED[8] que gostam de E. Enriquez – mas este autor combate essa política e essa prática nas organizações; alguns gostam de Boaventura Santos – este, também, denuncia e tenta elaborar teoria que seja alternativa à globalização; uns, elogiam a Christophe Dejours; outros admiram e louvam a Paulo Freire, mas este viveu seu pensamento; outros mais se encantam com Almerindo Afonso e Licínio Lima; outros, ainda, com a ação comunicativa de Habermas. Poderíamos ilustrar o que afirmamos com um conjunto de autores que são escarrados (lembro-me de Augusto dos Anjos) em citações nos tão propalados artigos que valem ponto no lattes. Mas são palavras vazias, são palavras “virgens”, “puras”, que não marcam a tinta do papel porque são superficiais. Esses e outros autores, se consultados sobre a prática política e a concepção de ciência e saber no cotidiano daqueles que os citam, certamente, se rebelariam, pois não se veriam nelas. A instituição, por estar morta, e/ou dominada por esse fantasma, ou os autores/os teóricos tornam-se sem sentido, desfigurados, apenas retóricos, porque estão desconectados do real. A pulsão de morte está encravada na instituição universitária.

Dejours chama-nos a atenção de que “se essa maquinaria continua a mostrar seu poderio é porque consentimos em fazê-la funcionar, mesmo quando isso nos repugna. Mesmo quando isso nos repugnar!”. Conforme ele, esse consentimento decorre do “sofrimento no trabalho”.[9] A perda da esperança gradual no trabalho e a consciência de que quanto mais se dão ao trabalho, mais se agrava a situação constroem esse consentimento à injustiça.

O domínio da presentificação do tempo não ataca apenas alguns docentes “improdutivos”, mas os estudantes. Literalmente como objetos – estritamente objetais-, eles sofrem – efetivamente sofrem - toda a política deliberada do Programa. Como coisas - e Karl Marx chamou muito bem a atenção sobre o fetichismo da mercadoria –, os três estudantes são tratados (!?!?) ... Ora, Se são coisas, não são “tratadas”. “Coisas” não têm sentimentos, não pensam, não desejam, portanto não são tratadas, são descartadas, são peças. Coisas são “avaliadas” (ou avariadas?), não precisam ser avaliadores. Agora entendo porque os estudantes não participam do “processo de avaliação” da instituição e dos docentes.[10] Os estudantes, do ponto de vista dessa lógica, não contam. Fico pensando com minha cabeça improdutiva: mas eles são a razão de ser da instituição. Sem estudantes, existiriam as Pós? Hum! Acho que não, pois aqui é uma Universidade. Se é assim, por que eles não são ouvidos no processo? Por que eles não avaliam “qualitativamente” de igual para igual?

Espere aí: mas os estudantes têm espaço na Pós, têm seus representantes, diriam muitos dos docentes. Seu pensamento não está pensando direito. Você está sendo pensado, diriam. Será que têm razão? Acho que não. O Estatuto da UFPE é ainda da ditadura militar: sua concepção, sua forma organizacional e sua composição[11]. Quando do fim do governo dos militares (e dos civis) – mas não do autoritarismo e da hierarquização –, o País estabeleceu a Constituinte: deputados eleitos com finalidade exclusiva de escrever as novas leis. Isso não foi à toa. O luto precisava ser feito. Era necessária uma nova configuração social, política, organizacional etc Não se podia administrar o “novo” com forma do “velho”. Quer dizer que não haveria legitimidade se não se fizesse isso? A Pós tem legitimidade? Acho que não. Ela tem legalidade, o que é bem diferente. A ruptura com esse imaginário social da ordem autoritária é imprescindível – não foi feito o luto na UFPE –– obviamente para quem defende uma sociedade democrática. Quem não a defende se agarrará ao fantasma e fará dele o bastião da qualidade e dos resultados. Então não é em nome da Universidade e da Pós que se faz tanta violência simbólica e efetiva? – certamente, Pierre Bourdieu diria: “Não, de todo!” O Capital simbólico será apropriado por certos indivíduos e grupos e estes sairão fortalecidos do processo – lá em Brasília, na ANPED, sabe-se lá. Mas, e as “mortes” e o sofrimento psíquico? O quê? Não, isso não é importante, o importante é que chegaremos lá. Aonde? Sei lá, chegaremos lá, ao ponto 5. Queremos mais: queremos o ponto 7. Mas, é o máximo, o topo. O preço é muito alto. Quantos não terão que “morrer” para alcançarmos isso? Você sabe, a vida é assim. Há aqueles que são competentes, e outros, o seu oposto. O importante é que chegaremos lá. Nada nos impedirá, pois isso é progresso, é racional, é desenvolvimento, é o correto – não temos saída. A verdade estará conosco. Já ouvi essa história antes, diriam outros. Os que sobreviverem contarão a sua história. Isso é História – afirma categoricamente o fantasma. E aqueles que ficam esperneando? Bem, temos que afastá-los; ora, eles esperneiam porque não são produtivos.

Essa obsessão por resultados para sermos simplesmente reconhecidos por Brasília é um absurdo – do ponto de vista do bom senso e do racional. As Pós não fazem discussões profundas sobre a formação dos estudantes – do ponto de vista da formação intelectual, da “qualidade” das disciplinas - em nosso caso, do papel e importância da Pós para Pernambuco (e para o Nordeste) -, inexistem reflexões e projetos institucionais com o Nordeste, pensando o Nordeste-, e, agora, pensando a América Latina (o ALAS abriu essa possibilidade); inexiste, também, reflexão da Pós com os governos (municipais, estaduais e federais) – na verdade, a Pós é utilizada como objeto (“coisa”) dos governantes.

Precisamos problematizar, não podemos ficar a reboque da quantofrenia dos governos e empresários. Precisamos colocar nossos conhecimentos a favor do MST e de outras organizações de trabalhadores sem terra, sem teto, sem universidade, etc – mas é preciso vontade política para sentarmos e construirmos coletivamente, junto com todos os estudantes da graduação e das Pós, e com os servidores, um projeto político-social que aponte um compromisso social efetivo. A Pós do governo federal é um órgão público (pelo menos deveria). Ela tem que estar a serviço do nosso Povo. O seu caminho diz respeito não somente a quem faz parte dela, mas dos que estão fora. Acho até que podemos e devemos elaborar projetos, concursos, com a finalidade de discutirmos os graves problemas social-educacionais. Mas como poderemos fazer isso e outras coisas se estamos escravos dos resultados, da mediocridade?

A situação social e política é grave no contexto em que vivemos. Não podemos ser cúmplices e irresponsáveis pelos graves problemas sociais, econômicos, éticos e ideológicos que atravessa a Pátria nesse momento.

Essa carta é uma conclamação aos docentes, estudantes e servidores ao bom senso, ao pensamento aberto, não somente do CE, mas de todos que têm o direito e o dever de se posicionar politicamente sobre as questões das instituições públicas e os graves problemas sociais nacionais e locais. Essas questões da quantofrenia são um problema político, e não técnico (de regras matemáticas de pontuação). Não há como fugir da posição política. Seremos cobrados por isso. Não adianta dizer que a culpa é da CAPES. Não podemos mais nos esconder e adotar a amnésia e a política da avestruz como prática política.

Uma outra Pós-Graduação é possível.

Recife, outubro de 2011

Evson Malaquias de Moraes Santos



[1] Conforme Gaulejac, “a quanttofrenia designa uma patologia que consiste em querer traduzir sistematicamente os fenômenos sociais e humanos em linguagem matemática”. Conferir Gestão como doença social. Idéias e Letras. (p.94)

[2] Por sadismo entendemos aqui o exercício de violência, agressividade, de forma genérica. Cf. Vocabulário da psicanálise Laplanche e Pontalis.

[3] Desculpem-me os quantofrênicos e perversos por divulgar um texto que não será publicado no receituário médico complexo da CAPES (vitaminas B1, B2...).

[4] Conferir Visões da Liberdade de Sidney Chalhoub.

[5] O sentido de policiais, conforme ele, inclue aqui, também, pedagogos, psiquiatras etc

[6] Alguns pesquisadores governistas comparam o PAIUB ao SINAES (que inclui o receituário da CAPES), o que é um absurdo. O SINAES foi imposto, o PAIUB foi iniciativa das próprias universidades. Se um “sistema” de avaliação for criado num espírito de desejo e liberdade pela própria coletividade instituinte, então não é mais “avaliação”, é uma outra coisa. Não chamemos mais de avaliação.

[7] Vida psíquica e organização. O indivíduo preso na armadilha da estrutura estratégica. Orgs. Fernando Motta e Maria E. Freitas. FGV, 2000.

[8] Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação.

[9] A banalização da injustiça social. FGV, 2009.

[10] Apesar de vinte discentes – entre eles, treze da Pós e sete de graduação que fazem pesquisas -, os quantofrênicos não quiseram nem tomar conhecimento das avaliações qualitativas sobre meu papel na formação intelectual e cívica. Esse desprezo espelha a obsessão e a desqualificação prática aos estudantes enquanto produtores de conhecimento e como responsáveis pela existência do próprio Programa. Na verdade, essa postura demonstra que a Pós institui aqueles como crianças, seres infantis que precisam de tuteladas.

[11] Serei criticado por desconsiderar a reforma do regimento em 2008. Alguns, até dirão que eu não participei, não tenho conhecimento para tratar desse assunto. O aglomerado de pessoas não significa que houve ação reflexiva sobre o objeto estudado. Sabemos que as práticas e ações coletivas dos grupos e organizações estão dominadas pelo tempo histórico. O tempo histórico atual não é o da reflexão, da crítica e do pensamento aberto (Castoriadis e Morin). Mas do pensamento “único”: a quantofrenia, a redução da ciência aos índices e indicadores de desempenho. Este é o tempo histórico que, ainda, infelizmente prevalece. Não por muito tempo, espero. Não sou adepto do fim da história.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Insensata opção


Heitor Scalambrini Costa

Professor da Universidade Federal de Pernambuco

Muito se tem falado e escrito pró e contra a opção do governo Lula/Dilma em reativar o Programa Nuclear, implicando assim na instalação de centrais nucleares no território brasileiro.

Os defensores desta tecnologia, identificados com setores da burocracia estatal, militares, membros da academia, grupos empresariais (empreiteiras e construtores de equipamentos), julgam que o Brasil não deve prescindir desta fonte de energia elétrica para atender a demanda futura, alegam ser vantajosa por ser barata e “limpa” por não emitir gases de efeito estufa. Afirmam não ser possível acompanhar o desenvolvimento científico-tecnológico, caso não se construa usinas nucleares. E por outro lado, minimizam o recente desastre ocorrido no complexo de Fukushima Daiichi, garantindo riscos mínimos, e mesmo a ausência deles, nas instalações brasileiras.

A primeira vista tais argumentos pareceria convincente, e poderiam até confundir os mais neófitos e menos desavisados cidadãos e cidadãs, que desejam o melhor para o país e para sua população. Mas a verdade dos fatos tem revelado que a opção pela energia nuclear atende somente a interesses inconfessáveis de alguns, em detrimento dos interesses da ampla maioria, resultando em mais problemas do que soluções.

É preciso entender de uma vez por todas, a grande vantagem comparativa do Brasil por possuir uma diversidade e abundância de fontes energéticas renováveis que não são encontradas em nenhuma parte do mundo, e que podem pela tecnologia atual, atender as necessidades energéticas atuais e futuras do país. Estas sim, desde que utilizadas de forma sustentável, podem contribuir para uma sociedade descarbonizada.

Afirmar que as usinas nucleares não emitem gases de efeito estufa é uma meia verdade. É certo que quando em funcionamento as usinas núcleo elétricas emitem desprezíveis quantidades destes gases. Mas lembremos que as centrais não funcionam sem o combustível nuclear. E este para ser obtido, passa por etapas e operações que são conhecidas como “ciclo do combustível nuclear”, que vão desde a extração do minério radioativo, sua concentração, enriquecimento, preparação das pastilhas de combustível, seu uso na usina na geração de eletricidade, armazenagem do lixo radioativo produzido e o descomissionamento da usina, depois de atender sua vida útil. Em todas estas etapas e operações a produção de gases de efeito estufa é importante, e a quantidade varia muito em função da metodologia empregada para calcular, de 60 a 400 gCO2/kWh, como relatado por inúmeras publicações científicas. Por si só esta grande variação merece explicações e estudos mais conclusivos.

Relacionar a necessidade de instalação de usinas nucleares no país como sendo fundamental e imprescindível para acompanhar o desenvolvimento científico tecnológico na área nuclear é uma justificativa completamente fantasiosa, irreal e agride o bom senso. Ao invés de investir 10 bilhões de reais na construção de uma única usina, com baixo índice de nacionalização de seus componentes, poderia se construir reatores multi-propósito por 1 bilhão de reais cada unidade. Seriam muito mais úteis ao desenvolvimento e a soberania do país.

Minimizar os riscos das instalações nucleares é um atentado a inteligência de qualquer pessoa. Mesmo não divulgados são freqüentes os vazamentos de materiais radioativos e problemas que ocorrem nos 442 usinas nucleares espalhadas em 29 países. Os desastres mais significativos nos últimos 20 anos, de Thernobyl, Three Mille Island e de Fukushima Daiichi, foram suficientes para alertar o mundo de quão é perigosa e dos riscos à vida que oferecem estas instalações.

E finalmente, os custos da energia elétrica produzida pelas usinas nucleares são mais caros que outras fontes, como a eólica e a hidráulica, e comparados ao das termoelétricas. Além de necessitarem de subsídios públicos, ou seja, repasse de enormes recursos financeiros do tesouro nacional disponibilizados para esta tecnologia; que acabam dificultando que investimentos sejam realizados em outras fontes energéticas como a solar, eólica, biomassa, pequenas centrais hidroelétricas, e no aproveitamento dos recursos energéticos encontrados nos oceanos. É certo também que com as novas regras de segurança impostas pós Fukushima, ainda mais caro ficará o custo da eletricidade nuclear.

Uma pergunta que não quer calar, diz respeito à negativa de muitas seguradoras em cobrir os acidentes nucleares, que em muitos países essa cobertura é atribuída ao Governo Federal. Se as companhias de seguro, especialistas em estimar os perigos de acidentes, não desejam arriscar seu dinheiro, por que se devem obrigar as pessoas a arriscarem suas vidas?

No mínimo é insensata esta opção energética adotada pelo governo brasileiro, que deve ser mais discutida com transparência. Daí estar junto à imensa maioria da população que tem se manifestado contrária a construção de usinas nucleares em território nacional, fortalecendo o coro: Energia nuclear? Não obrigado.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Democracia na UFPE

Heitor Scalambrini Costa
Professor Associado da Universidade Federal de Pernambuco

A democracia é uma idéia antiga e uma experiência nova para a humanidade. Constituem marcos e conquistas na construção da democracia e na formação da cidadania as revoluções: Inglesa (1640), Americana (1776), Francesa (1789); a constituição dos estados Unidas da América (1787); e a Declaração Universal dos Direitos do Homem proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas (1948).

Na raiz de todos estes eventos, está à luta pela liberdade contra a opressão, cuja existência se manifesta no exercício do poder, qualquer que seja a natureza da relação social. As vitimas dessa opressão são sempre as mesmas: os mais fracos. E a razão é a mesma: o abuso do poder.

Após a ditadura militar de 1964 que suprimiu do povo brasileira a democracia, esta foi conquistada com a democratização, nos anos ’80.

Na Universidade não foi diferente, e a democratização da estrutura universitária foi uma reivindicação que unificou as forças progressistas dos três segmentos que a compõem (professores, técnico-administrativos e estudantes), contra o entulho autoritário da ditadura.

A supressão da democracia foi uma agressão deprimente para o ambiente acadêmico, onde a liberdade do pensar e a pluralidade de idéias e ideais devem sempre prevalecer. De lá para cá, apesar dos avanços, ainda temos retrocessos que precisam ser superados.

Uma das reivindicações, ainda presente na Universidade Brasileira é a da autonomia universitária (definida na constituição federal de 1988, no artigo 207 – “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e obedecerão ao principio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”) e da participação paritária da comunidade, nos órgãos decisórios em todos os níveis, dos departamentos aos órgãos superiores. Uma forma de compartilhamento do poder.

Quando falamos na autonomia universitária – incluindo a financeira – entendemos que ela não é uma via de democratização, mas a condição prévia para consegui-la. Não é um fim em si, é um meio que pode ou não, ter eficiência para que as universidades cumpram seu papel na sociedade. Em suma, um regime de autonomia universitária significa que o governo não meta as mãos na Universidade, como ocorre hoje.

A dotação orçamentária global é um importante passo para a autonomia da gestão financeira e patrimonial das Instituições de Ensino Superior, e só terá resultados positivos se for garantido o financiamento pelo Estado e a plena participação da comunidade universitária na elaboração, fiscalização e execução do orçamento. A autonomia para a universidade significa também autonomia didático-científica.

Como propugna a constituição federal, a autonomia só tem sentido se obedecer ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, e estiver aliada ao processo de democratização interna. Autonomia plena, publicidade dos atos administrativos e representação paritária são as pré-condições da democracia universitária. Ela porém, não deve confinar-se ao campus; e de nada valerá se a autonomia e liberdade sindical, ampla liberdade de pensamento e expressão, não a complementarem.

Hoje, o que é profundamente antidemocrático, é a existência do segredo no meio universitário: por exemplo, na elaboração do orçamento, que depende mais do Ministério de Planejamento que o da Educação. Por outro lado, uma democracia sem prestação de contas, onde tudo é oculto, não é democracia. Neste caso há o perigo das organizações estudantis, de técnicos administrativos e de docentes incorporarem-se ao sistema, praticando uma das suas regras básicas: decisões tomadas pela cúpula.

Outro aspecto a ser evidenciado diz respeito às condições de trabalho no âmbito das instituições de ensino superior, que vêm se modificando tanto nos últimos anos. Até meados da década de 1980, o desenvolvimento da pesquisa acadêmica não era gerido por prazos rígidos pré-fixados e a obrigação de publicar resultados. Muitas vezes a sala de aula era o principal laboratório docente, uma oficina artesanal onde a formação de novos profissionais não era um objetivo secundário.

Hoje à atividade docente esta submetida e obedecer a critérios de produtivismo, que foram sendo impostos, fazendo com que o docente se ocupe cada vez menos com o ensino, pesquisa e extensão, e se dedique a tarefas burocráticas. Não é levado em conta que o trabalho intelectual possui um caráter artesanal que lhe é intrínseco, e sem o qual é completamente descaracterizado, e que não pode ser submetido a critérios e métodos de avaliação de produção industrial. Antes, nós éramos pagos para pensar. Agora, somos pagos para produzir.

Percebe-se claramente que, grande parte dos docentes não estão satisfeitos com os critérios e métodos da Capes e do CNPq. Estão aturdidos, infelizes, e não vêem saídas.

São estas questões preliminares que embasam uma discussão sobre a realidade atual da UFPE.

Na UFPE em 2002, o Programa de Campanha da chapa oposicionista composta pelos professores Amaro Lins e Gilson Edmar, “Pela Mudança da UFPE: Democracia, Qualidade e Compromisso Social” propunha mudanças estruturais, e apontava para mais autonomia. No preâmbulo deste documento estava explicitado que aquela eleição, era entre a escolha da “manutenção do controle centralizado da instituição ou a democratização efetiva da UFPE: torná-la transparente, participativa e revigorada pela legitimidade”. O documento ainda dizia “no momento do voto, será este o desafio: optar pela continuidade ou ser artífice do novo”.

Com relação a um dos eixos norteadores desta memorável eleição, o da esperada democratização da UFPE, estava escrito ainda no Programa da chapa “a democratização se materializa numa gestão descentralizada, transparente e participativa”. Na visão daqueles que acabaram se elegendo era dito “democratização pressupõe o fortalecimento do poder de decisão e de gestão dos órgãos colegiados e das câmaras setoriais”, e mais “as mudanças não serão alcançadas apenas com a gestão democrática na reitoria, pois requerem um novo ordenamento institucional. Nossa chapa afirma, portanto o compromisso com uma reforma do Estatuto e dos Regimentos da Universidade, a ser elaborada e legitimada pela ampla participação da comunidade. Propomos uma redefinição da composição e das atribuições dos órgãos deliberativos universitários, e, em particular, eleição direta dos membros do Conselho Universitário pela comunidade e por representantes da sociedade, a fim de que seu poder decisório seja ampliado e legitimado”.

Esta e outras promessas de campanha NÃO foram cumpridas, conforme se constata agora no início deste oitavo ano de reitorado. As regras (direitos e deveres) contidas no Estatuto da Universidade não foram modificadas. O atual estatuto permanece ativo, e é um instrumento envelhecido e retrógrado, com mais de 40 anos de idade, tempo suficiente para se elencar grandes transformações, avanços e retrocessos sociais ocorridos no país e nas universidades brasileiras. O que é exigido nos tempos atuais é algo mais ágil, mais ajustado, mais moderno a época, e que possibilite mais democracia nas relações entre a comunidade universitária. O poder continua centralizado na figura do Reitor.

Portanto é preciso que a comunidade universitária avance no diálogo democrático para superar os entraves autoritários que vão desde as práticas pedagógicas mutiladoras do conhecimento dos estudantes, até as atitudes burocráticas com finalidades em si mesmas. Exortamos a luta pela democratização real e não de fachada de nossa Universidade, fundada na mais ampla liberdade de pensamento de professores, técnicos e estudantes, que não devem e não podem ser beneficiados ou prejudicados por razões ideológicas. O princípio de autoridade na Universidade deve fundar-se no saber e na capacidade de aglutinar; o que ultrapasse isso é autoritarismo grosseiro.

Hoje se verifica, infelizmente, que a defesa da democracia não consegue mobilizar todas as tendências políticas representadas no interior de nossa Universidade, o que demonstra que algo esta errado com elas. A UFPE precisa democratizar, e hoje em dia não bastam palavras e pensamento positivo. Ajudam muito, mas apenas quando somado à coerência e à ação.

Lamentavelmente nesses anos da gestão Amaro/Gilson a democratização na UFPE não se materializou, pois esta gestão não promoveu o que havia prometido: a descentralização, a transparência e a participação plena da comunidade universitária nas decisões e destinos de nossa Universidade.

No dia 26 de abril teremos eleições para reitor e será uma nova oportunidade para escolher dirigentes que promovam as mudanças e as transformações esperadas por toda a comunidade. E que seu novo reitor eleito inicie um processo estatuinte de composição paritária, democrática e soberana, com prazo determinado para estabelecer um novo estatuto, em conformidade aos grandes desafios deste inicio de século XXI.