segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Unicidade Sindical

A unicidade sindical é uma imposição do Estado Brasileiro criada com a intenção explícita de manter os sindicatos e seus dirigentes sob controle governamental. Na época em que foi instituída, essa interferência sobre a atividade sindical era apenas mais uma expressão dos controles que, acreditava-se, o Estado deveria exercer sobre a sociedade brasileira, tutelando-a nos mais diversos setores. Tornada uma norma jurídica, estabelecia que não poderia haver mais de uma representação sindical oficial para uma mesma base. Dito de outra forma, o governo só poderia conceder uma única “carta sindical” a um único sindicato “oficial”.

Essa legislação, é obvio, provocava indignação entre forças políticas organizadas que atuavam no meio sindical, forças que defendiam as bandeiras da autonomia e da liberdade de organização dos trabalhadores e sustentavam projetos políticos de superação do Estado capitalista. Essa ação do “Estado burguês” se fazia contra os interesses dos trabalhadores sujeitos à exploração do capital, na medida em que punha as lutas sindicais sob controle e limites de governos associados a interesses patronais

Assim, a defesa da liberdade de organização sindical, sem a interferência do Estado, também faz parte dessa história. Ocorre que, durante décadas, parte considerável dos dirigentes sindicais, inclusive os rotulados “de esquerda”, se colocaram sob a sombra protetora do Estado, apelando à unicidade, numa defesa ferrenha da posse da “Carta Sindical”. Os argumentos em defesa da liberdade e autonomia sindical tinham mais presença nos discursos, pois temia-se que uma liberdade de fato (ou seja: o fim do reconhecimento oficial da representação sindical), geraria, com certeza, ações “divisionistas”, promovidas pelos patrões através de “agentes” seus infiltrados no meio trabalhista.

A fundação da CUT é um exemplo expressivo da hegemonia dessa concepção, mesmo em forças auto-proclamadas como de esquerda atuantes no movimento sindical. Acusando outras articulações sindicais nacionais, ainda durante o governo do General Figueiredo de serem instituições à serviço dos interesses patronais, a CUT se anunciava como uma central classista, combativa, autônoma, mas – e isso passava desapercebido à maioria de nós – única. Objetivamente, o que nós pretendíamos, não era sermos “únicos”, mas os únicos. Pretendíamos ser “a” Central Sindical, com reconhecimento suficiente para afastar da cena sindical as entidades “fantasmas” ou “pelegas”.

Nossos argumentos? Todos legítimos, nobres, plenamente justificáveis. Havia que manter a “unidade” das lutas sindicais através de um comando único “legítimo” para as jornadas de enfrentamento com os patrões (incluindo aí os diferentes governos de âmbitos distintos). Havia que assegurar uma unidade “combativa” para não “enfraquecer” as jornadas de lutas das categorias. Havia que estender ao movimento sindical como um todo o programa de uma central sindical hegemônica, reconhecida: a CUT. Havia que separar o joio do trigo.

Contudo, nem sempre ficava explícito àqueles que participaram dessa construção histórica, que as Cartas sindicais oficiais não eram apenas uma defesa contra “os patrões” e suas prováveis ações divisionistas, mas serviam também à exclusão de posições políticas existentes no interior mesmo do movimento sindical discordantes do sindicalismo oficial.

Estava, e está, em questão, de um lado, uma concepção unitária de democracia, que enfatiza a prioridade absoluta dos direitos da maioria – que tem uma expressão numérica incontestável – sobre posições minoritárias e, de outro, uma outra concepção de democracia que defende a pluralidade e o direito à expressão política de minorias. Está em discussão se os trabalhadores organizados devem, independentemente da legislação vigente, criar, com total liberdade e autonomia, suas instituições sindicais.

Parece ser essa a razão que explica a fundação do CONLUTAS. Essa entidade resulta de avaliações políticas que denunciam o caráter “governista” da CUT e o afastamento desta entidade fundada anos 1980 daqueles que deveriam ser seus objetivos maiores, em defesa da independência dos trabalhadores diante dos governos (de qualquer governo, diga-se de passagem). Nesse caso, anunciando que a verdade estava do seu lado (uma característica comum aos fundamentalistas), diversas forças minoritárias presentes no movimento sindical, sentindo-se sufocadas pela hegemonia cutista, não hesitaram, em nenhum momento, em ser divisionistas e fundar, livremente (como deve ser, sempre), uma outra entidade.

Temos aqui um exemplo das contradições que nos atingem. Pois esses mesmos fundadores da CONLUTAS, são contra uma outra entidade que reivindica representar os docentes das universidades federais, alegando que a ANDES deve ser o representante “único” (ou deveríamos dizer monopolista?) dos docentes do ensino superior. A ANDES luta desesperadamente pela carta sindical – ou, se preferimos, pelo monopólio “oficial” da representação sindical de uma categoria – luta, consequentemente, por abrigar-se sob a sombra protetora do Estado brasileiro. Ou não?

A unicidade sindical ainda é defendida pela quase totalidade do movimento sindical organizado. Recentemente, um poderoso movimento de defesa do imposto sindical obrigatório nos deu a medida da distância que nos separa de um sindicalismo efetivamente autônomo.

Mas quem tem medo de enfrentar uma disputa, na base, pela representação sindical mais legítima? Quem é, afinal, “pelego” nessa história? Quem defende a unicidade sindical, como a ANDES? Ou quem defende o PROIFES? Porque em um caso (a fundação da CONLUTAS) o “divisionismo” é um ato legítimo e, em outro (fundação do PROIFES), é “peleguismo”? Afinal, os docentes devem ter a liberdade de escolher a representação que lhes parece mais adequada à defesa dos seus interesses ou devem se reunir, compulsoriamente, numa única entidade “oficial”?Será que temos a medida do quantum de autoritarismo e arbitrariedade está implícito na unicidade sindical?

Estão postas aí algumas questões que, ao nosso ver, podem desencadear um “bom combate”. São, apenas, provocações iniciais. Ao debate!

(a) Geraldo Barroso, novembro de 2008

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