sexta-feira, 14 de junho de 2013

Começa o desmonte da Eletrobrás

Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco

A edição da medida provisória 579 em 11/9/2012, que trata da renovação das concessões do setor elétrico e da redução de preços nas tarifas de energia, depois transformada em Lei 12.783/2013, pelo governo federal, atingiu em cheio a Eletrobrás, que controla a maior parte do parque gerador de energia elétrica do país.
Com a desastrada intervenção do governo em nome da boa causa do corte das tarifas, os efeitos resultaram em um prejuízo de R$ 6,8 bilhões em 2012, o maior da história da empresa; depois de sucessivos anos positivos da estatal, que em 2011 lucrou R$ 3,7 bilhões.
Este modelo adotado para diminuir as tarifas e a renovação das concessões reduziu drasticamente a receita das empresas a valores que comprometeram a capacidade de investimento e a qualidade dos serviços oferecidos, como também pôs em risco a reconhecida competência técnica do setor. Os cortes de receita refletirão diretamente em corte de pessoal. Ou seja, a competência acumulada pelo setor em anos será dissolvida, como exemplos já vistos de outros setores que acabaram sendo privatizados.
Durante a apresentação do Plano Diretor de Negócios e Gestão da companhia, em 28/3, o presidente da Eletrobrás afirmou que espera a adesão de 5 mil, ou seja, 18,5% dos 27 mil funcionários da estatal ao Plano de Incentivo ao Desligamento, que será implantado nas empresas da holding. O plano de desligamento é uma das iniciativas previstas pela companhia para reduzir custos. Para 2013, a meta será de 20%, mas esse percentual será aumentado para 30% nos próximos três anos. Para a execução do plano foi alocada a importância de R$ 2,4 bilhões, incluindo R$ 380 milhões em despesas com planos de saúde.

No caso da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), empresa da maior importância para o Nordeste, não só pela geração de energia elétrica, o esvaziamento será grandioso. A companhia que alcançou um lucro líquido em 2011, próximo dos R$ 2,2 bilhões de reais, e em 2012 teve um prejuízo recorde de R$ 5,3 bilhões em decorrência de ajustes contábeis por conta da renovação das concessões com vencimento em 2015, será literalmente desmontada.

O Plano de Incentivo ao Desligamento Voluntário (PIDV), como é chamado o corte de pessoal para enxugamento da folha de pagamento, que gira hoje em torno de R$ 900 milhões/ano, será implementado a partir do dia 6/6/2013, e ao longo de 2014. É prevista assim uma economia da ordem de R$ 200 milhões/ano.  A direção da estatal está confiante que “contribuirá” com a redução de pessoal do grupo Eletrobrás afastando de seu quadro de funcionários em torno de 30%, dos 5.737 funcionários existentes (abril de 2012).

O que está acontecendo hoje com o grupo Eletrobrás, e com suas empresas que detém a liderança na geração e transmissão de energia elétrica no Brasil com a redução dos custos operacionais, incluindo o desligamento de funcionários, entre outras medidas tomadas é o “modus operandi” que foi adotado na privatização das empresas estatais.

Portanto, o atual governo federal caminha a passos largos no processo de privatização de mais um patrimônio do povo brasileiro. Quem viver verá.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Compromisso e responsabilidade: o caso do HC/UFPE

Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco

Em recente artigo de opinião, assinado por Edgar Victor “Responsabilidade com a opinião pública”, publicado pelo DP (18/5), o autor, respeitado cardiologista e professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), se saiu em defesa da administração central da UFPE e da administração do Hospital das Clínicas (HC), em um caso claro de negligência, de irresponsabilidade, de tolerância ao irregular funcionamento e ao sucateamento imposto ao HC pelos seus gestores.
Após análise breve e superficial, na qual tenta minimizar a situação do HC/UFPE, mostrando que outros Hospitais Universitários (HU’s) do país passam por situação similar, o autor aponta a criação, pelo governo Federal, da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) como a “solução de choque” para a situação dos HU’s. Cita en passant que existem “interesses outros e não puramente acadêmicos” por trás da situação calamitosa a que chegou os HU’s. Mas não diz uma palavra sobre a responsabilidade dos governos e dos administradores públicos com esta situação. E nem fala que a criação desta empresa fere mortalmente a autonomia universitária, defendida pelo nobre professor em outro momento político.
Ao citar a eleição a reitor na UFPE, em 2003, que “conseguiu superar a crônica dependência das injunções político-partidárias locais” e escolher o professor Amaro Lins como um reitor “comprometido, com uma visão de estado, ligado às causas populares”, o reconhecido profissional dos problemas do coração excedeu-se. Todo mundo sabe da ligação umbilical do referido ex-reitor (2003-2011) com o Partido que chegou ao poder no mesmo tempo de sua primeira eleição. Tanto é que – após a sua gestão – o mesmo foi indicado para um relevante cargo no Ministério da Educação (Secretário de Educação do Ensino Superior - Sesu), ocupando também o cargo (vejam só!) de substituto do presidente do Conselho de Administração da Ebserh. Competência? Nem um comentário sobre a promessa de campanha do atual reitor (apoiado pelo professor Amaro para sucedê-lo) se posicionando publicamente contrário à medida provisória que criou a Ebserh. E que – depois de eleito – mudou de lado.
Não fala que a Ebserh é uma empresa pública, definida pelo Decreto lei nº 200 (25/2/1967) como “entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criada por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa, podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito” (redação dada pelo Decreto-Lei nº 900, de 1969 – período de governos militares).
Omite também o fato de como se deu a criação da Ebserh. Na calada da noite, em pleno período de festas natalinas, em 31 de dezembro de 2010, o governo Lula editou a medida provisória nº 520, autorizando o poder executivo a criar a Ebserh, de maneira autocrática, sem nenhuma discussão com as partes interessadas da população brasileira.
Outro ponto que merece reparo é a tentativa do articulista de desqualificar a crítica, taxando aquele que a fez de não entender do assunto. Postura preconceituosa, mesquinha e antidemocrática, como se o assunto Ebserh interessasse somente a alguns. E somente estes iluminados pudessem opinar e discutir sobre o assunto que, diga-se de passagem, tem a ver com a saúde pública neste país. Existe a tentativa (no referido artigo) de claramente restringir a discussão ao víeis técnico e administrativo, como se esta não fosse uma questão política. Desacreditar a crítica, com afirmativas como “não sabe sequer o que é um hospital”, faz parte de um discurso autoritário, que não cabe ao outrora ilustre professor, mesmo sendo feita em defesa de um amigo seu.
O que mais surpreende é o ataque gratuito (calunioso?) a uma parcela (majoritária?) de funcionários (docentes e técnicos administrativos) que “preferem continuar sem condições adequadas e, portanto sem trabalhar”. É sempre mais fácil responsabilizar o trabalhador, a população. Para aqueles que preferem que o HC continue na situação deplorável em que se encontra, e que não querem trabalhar, existem mecanismos internos de punição, que cabe aos gestores acionar. Não o fazem porque são também responsáveis, são coniventes com o descalabro. E aí, como citado no artigo publicado no DP (4/5), “UFPE: omissão sem omissão”, merecem igual tratamento punitivo. E se não punem, os gestores prevaricam, toleram erros e são indulgentes com o funcionamento irregular do Hospital.
É lamentável essa defesa apaixonada, emocional, feita à administração da UFPE (e do HC). Demonstra um descompromisso com a verdade dos fatos. E tenta – de maneira irresponsável, caluniosa – macular o passado e o presente de um professor dedicado verdadeiramente às causas populares, e comprometido integralmente com uma universidade pública, democrática, gratuita, autônoma e de qualidade.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Setor elétrico: reclamar melhora o serviço?

Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco

Segundo o mais recente relatório da Ouvidoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), o número de reclamações de consumidores é o maior já registrado desde 2005, ano de criação da Ouvidoria. Lembrando que a responsabilidade pelo controle da qualidade do serviço de distribuição é do orgão regulador que, a princípio, conta com instrumentos que tanto pode penalizar como premiar as distribuidoras.

Dentre as principais queixas, a que se refere a interrupção no fornecimento de energia, esta dobrou em 2012, em relação a 2011. O que mostra claramente a ineficiência e a piora das concessionárias no atendimento e na qualidade dos serviços prestados a seus clientes.
Sem dúvida, recorrer a Ouvidoria da ANEEL (telefone 167) é ainda um serviço pouco utilizado. Em 2012 foram feitas somente 84.720 reclamações, de um total de 72 milhões de unidades consumidoras. Para alguns, como resultado das informações repassadas a Agência pelos reclamantes, usar mais a Ouvidoria poderia trazer benefícios ao consumidor com a melhoria da qualidade do serviço.

A ação cidadã de cobrar sempre por um melhor serviço, neste caso, essencial e muito caro, deve ser incentivada e facilitada a população. Todavia é plenamente justificado esta pouca procura aos orgãos de controle e fiscalização pelo descrédito destes orgãos. Lamentavelmente, como resultado das reclamações, não têm acontecido a desejada melhoria do serviço. Reclamações tem aumentado nos útimos anos e os serviços piorados.
Até acontece a penalização das empresas, sempre com anúncios bombásticos e midiáticos, com a aplicação de multas, mas raramente executadas efetivamente, pois o recolhimento aos cofres públicos são protelados, com inúmeros meios jurídicos a disposição das companhias. Em contrapartida, os benefícios e a premiação das distribuidoras são constantes. Para este setor o Brasil é o paraíso, um capitalismo sem risco, tais os benefícios que as empresas distribuidoras auferem. 
 
Com contratos bastante favoráveis da época da privatização, as distribuidoras, em troca da remuneração do capital aplicado, teriam a obrigação de oferecer um serviço confiável e de qualidade. Mas nada disso está ocorrendo, como aponta o Índice Aneel de Satisfação do Consumidor (IASC) divulgado no início do ano. Notas de 0 a 100 são dados pelos consumidores das 63 empresas concessionárias de distribuição de eletricidade. Na média, a avaliação piorou, passando de 64,41 em 2011, para 61,51 em 2012.

Em Pernambuco, a situação local é um exemplo do que esta acontecendo nacionalmente com relação a deterioração dos serviços elétricos prestados a população. A Companhia Energética de Pernambuco (CELPE), segundo o ranking IASC, das 32 maiores empresas distribuidoras passou da 4a posição em 2011, para a 16a posição em 2012. Já em 2013, desde o inicio do ano, as interrupções no fornecimento elétrico, chamado de “apaguinhos”, tornaram constantes em todo o Estado. O que levou a empresa a ser apelidada jocosamente de “vaga-lume”.

O mais preocupante para o usuário pernambucano foi a conclusão do recente relatório divulgado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) apontando a incapacidade (falta de infra estrutura e de pessoal) da Agência de Regulação de Pernambuco (ARPE) em ficalizar e monitorar a CELPE. É um convênio com a ANEEL que delega a ARPE a ficalização e o monitoração dos serviços elétricos prestados a população.

Mesmo o consumidor tendo acesso aos valores apurados e as metas dos indicadores de duração (DEC) e da frequência (FEC) das interrupções no fornecimento de eletricidade de sua residência, que vem estampado na conta de luz, persiste inúmeras dúvidas sobre a eficacidade destes instrumentos de controle de qualidade. Em Pernambuco, mesmo com o funcionamento “vaga-lume” da concessionária, tais indices são imutáveis, segundo reclamos informais.

Caberia sim a quem de direito, verificar porque as mudanças nos valores apurados para a duração e a frequência individual de interrupções não são representados na conta de luz, mesmo acontecendo naquele mês um aumento da duração e da frequência na falta de eletricidade, em relação ao mês anterior. 
 
O que está em jogo é a credibilidade de tais índices, que em última instância, permitiria ao consumidor ser ressarcido caso ultrapassassem as metas estipuladas pela ANEEL.
Portanto, reclamar, teoricamente ajudaria em muito melhorar o serviço público em geral, inclusive o fornecimento de eletricidade. Mas a questão é que o “buraco” é mais em baixo.