segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Insensata opção


Heitor Scalambrini Costa

Professor da Universidade Federal de Pernambuco

Muito se tem falado e escrito pró e contra a opção do governo Lula/Dilma em reativar o Programa Nuclear, implicando assim na instalação de centrais nucleares no território brasileiro.

Os defensores desta tecnologia, identificados com setores da burocracia estatal, militares, membros da academia, grupos empresariais (empreiteiras e construtores de equipamentos), julgam que o Brasil não deve prescindir desta fonte de energia elétrica para atender a demanda futura, alegam ser vantajosa por ser barata e “limpa” por não emitir gases de efeito estufa. Afirmam não ser possível acompanhar o desenvolvimento científico-tecnológico, caso não se construa usinas nucleares. E por outro lado, minimizam o recente desastre ocorrido no complexo de Fukushima Daiichi, garantindo riscos mínimos, e mesmo a ausência deles, nas instalações brasileiras.

A primeira vista tais argumentos pareceria convincente, e poderiam até confundir os mais neófitos e menos desavisados cidadãos e cidadãs, que desejam o melhor para o país e para sua população. Mas a verdade dos fatos tem revelado que a opção pela energia nuclear atende somente a interesses inconfessáveis de alguns, em detrimento dos interesses da ampla maioria, resultando em mais problemas do que soluções.

É preciso entender de uma vez por todas, a grande vantagem comparativa do Brasil por possuir uma diversidade e abundância de fontes energéticas renováveis que não são encontradas em nenhuma parte do mundo, e que podem pela tecnologia atual, atender as necessidades energéticas atuais e futuras do país. Estas sim, desde que utilizadas de forma sustentável, podem contribuir para uma sociedade descarbonizada.

Afirmar que as usinas nucleares não emitem gases de efeito estufa é uma meia verdade. É certo que quando em funcionamento as usinas núcleo elétricas emitem desprezíveis quantidades destes gases. Mas lembremos que as centrais não funcionam sem o combustível nuclear. E este para ser obtido, passa por etapas e operações que são conhecidas como “ciclo do combustível nuclear”, que vão desde a extração do minério radioativo, sua concentração, enriquecimento, preparação das pastilhas de combustível, seu uso na usina na geração de eletricidade, armazenagem do lixo radioativo produzido e o descomissionamento da usina, depois de atender sua vida útil. Em todas estas etapas e operações a produção de gases de efeito estufa é importante, e a quantidade varia muito em função da metodologia empregada para calcular, de 60 a 400 gCO2/kWh, como relatado por inúmeras publicações científicas. Por si só esta grande variação merece explicações e estudos mais conclusivos.

Relacionar a necessidade de instalação de usinas nucleares no país como sendo fundamental e imprescindível para acompanhar o desenvolvimento científico tecnológico na área nuclear é uma justificativa completamente fantasiosa, irreal e agride o bom senso. Ao invés de investir 10 bilhões de reais na construção de uma única usina, com baixo índice de nacionalização de seus componentes, poderia se construir reatores multi-propósito por 1 bilhão de reais cada unidade. Seriam muito mais úteis ao desenvolvimento e a soberania do país.

Minimizar os riscos das instalações nucleares é um atentado a inteligência de qualquer pessoa. Mesmo não divulgados são freqüentes os vazamentos de materiais radioativos e problemas que ocorrem nos 442 usinas nucleares espalhadas em 29 países. Os desastres mais significativos nos últimos 20 anos, de Thernobyl, Three Mille Island e de Fukushima Daiichi, foram suficientes para alertar o mundo de quão é perigosa e dos riscos à vida que oferecem estas instalações.

E finalmente, os custos da energia elétrica produzida pelas usinas nucleares são mais caros que outras fontes, como a eólica e a hidráulica, e comparados ao das termoelétricas. Além de necessitarem de subsídios públicos, ou seja, repasse de enormes recursos financeiros do tesouro nacional disponibilizados para esta tecnologia; que acabam dificultando que investimentos sejam realizados em outras fontes energéticas como a solar, eólica, biomassa, pequenas centrais hidroelétricas, e no aproveitamento dos recursos energéticos encontrados nos oceanos. É certo também que com as novas regras de segurança impostas pós Fukushima, ainda mais caro ficará o custo da eletricidade nuclear.

Uma pergunta que não quer calar, diz respeito à negativa de muitas seguradoras em cobrir os acidentes nucleares, que em muitos países essa cobertura é atribuída ao Governo Federal. Se as companhias de seguro, especialistas em estimar os perigos de acidentes, não desejam arriscar seu dinheiro, por que se devem obrigar as pessoas a arriscarem suas vidas?

No mínimo é insensata esta opção energética adotada pelo governo brasileiro, que deve ser mais discutida com transparência. Daí estar junto à imensa maioria da população que tem se manifestado contrária a construção de usinas nucleares em território nacional, fortalecendo o coro: Energia nuclear? Não obrigado.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Democracia na UFPE

Heitor Scalambrini Costa
Professor Associado da Universidade Federal de Pernambuco

A democracia é uma idéia antiga e uma experiência nova para a humanidade. Constituem marcos e conquistas na construção da democracia e na formação da cidadania as revoluções: Inglesa (1640), Americana (1776), Francesa (1789); a constituição dos estados Unidas da América (1787); e a Declaração Universal dos Direitos do Homem proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas (1948).

Na raiz de todos estes eventos, está à luta pela liberdade contra a opressão, cuja existência se manifesta no exercício do poder, qualquer que seja a natureza da relação social. As vitimas dessa opressão são sempre as mesmas: os mais fracos. E a razão é a mesma: o abuso do poder.

Após a ditadura militar de 1964 que suprimiu do povo brasileira a democracia, esta foi conquistada com a democratização, nos anos ’80.

Na Universidade não foi diferente, e a democratização da estrutura universitária foi uma reivindicação que unificou as forças progressistas dos três segmentos que a compõem (professores, técnico-administrativos e estudantes), contra o entulho autoritário da ditadura.

A supressão da democracia foi uma agressão deprimente para o ambiente acadêmico, onde a liberdade do pensar e a pluralidade de idéias e ideais devem sempre prevalecer. De lá para cá, apesar dos avanços, ainda temos retrocessos que precisam ser superados.

Uma das reivindicações, ainda presente na Universidade Brasileira é a da autonomia universitária (definida na constituição federal de 1988, no artigo 207 – “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e obedecerão ao principio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”) e da participação paritária da comunidade, nos órgãos decisórios em todos os níveis, dos departamentos aos órgãos superiores. Uma forma de compartilhamento do poder.

Quando falamos na autonomia universitária – incluindo a financeira – entendemos que ela não é uma via de democratização, mas a condição prévia para consegui-la. Não é um fim em si, é um meio que pode ou não, ter eficiência para que as universidades cumpram seu papel na sociedade. Em suma, um regime de autonomia universitária significa que o governo não meta as mãos na Universidade, como ocorre hoje.

A dotação orçamentária global é um importante passo para a autonomia da gestão financeira e patrimonial das Instituições de Ensino Superior, e só terá resultados positivos se for garantido o financiamento pelo Estado e a plena participação da comunidade universitária na elaboração, fiscalização e execução do orçamento. A autonomia para a universidade significa também autonomia didático-científica.

Como propugna a constituição federal, a autonomia só tem sentido se obedecer ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, e estiver aliada ao processo de democratização interna. Autonomia plena, publicidade dos atos administrativos e representação paritária são as pré-condições da democracia universitária. Ela porém, não deve confinar-se ao campus; e de nada valerá se a autonomia e liberdade sindical, ampla liberdade de pensamento e expressão, não a complementarem.

Hoje, o que é profundamente antidemocrático, é a existência do segredo no meio universitário: por exemplo, na elaboração do orçamento, que depende mais do Ministério de Planejamento que o da Educação. Por outro lado, uma democracia sem prestação de contas, onde tudo é oculto, não é democracia. Neste caso há o perigo das organizações estudantis, de técnicos administrativos e de docentes incorporarem-se ao sistema, praticando uma das suas regras básicas: decisões tomadas pela cúpula.

Outro aspecto a ser evidenciado diz respeito às condições de trabalho no âmbito das instituições de ensino superior, que vêm se modificando tanto nos últimos anos. Até meados da década de 1980, o desenvolvimento da pesquisa acadêmica não era gerido por prazos rígidos pré-fixados e a obrigação de publicar resultados. Muitas vezes a sala de aula era o principal laboratório docente, uma oficina artesanal onde a formação de novos profissionais não era um objetivo secundário.

Hoje à atividade docente esta submetida e obedecer a critérios de produtivismo, que foram sendo impostos, fazendo com que o docente se ocupe cada vez menos com o ensino, pesquisa e extensão, e se dedique a tarefas burocráticas. Não é levado em conta que o trabalho intelectual possui um caráter artesanal que lhe é intrínseco, e sem o qual é completamente descaracterizado, e que não pode ser submetido a critérios e métodos de avaliação de produção industrial. Antes, nós éramos pagos para pensar. Agora, somos pagos para produzir.

Percebe-se claramente que, grande parte dos docentes não estão satisfeitos com os critérios e métodos da Capes e do CNPq. Estão aturdidos, infelizes, e não vêem saídas.

São estas questões preliminares que embasam uma discussão sobre a realidade atual da UFPE.

Na UFPE em 2002, o Programa de Campanha da chapa oposicionista composta pelos professores Amaro Lins e Gilson Edmar, “Pela Mudança da UFPE: Democracia, Qualidade e Compromisso Social” propunha mudanças estruturais, e apontava para mais autonomia. No preâmbulo deste documento estava explicitado que aquela eleição, era entre a escolha da “manutenção do controle centralizado da instituição ou a democratização efetiva da UFPE: torná-la transparente, participativa e revigorada pela legitimidade”. O documento ainda dizia “no momento do voto, será este o desafio: optar pela continuidade ou ser artífice do novo”.

Com relação a um dos eixos norteadores desta memorável eleição, o da esperada democratização da UFPE, estava escrito ainda no Programa da chapa “a democratização se materializa numa gestão descentralizada, transparente e participativa”. Na visão daqueles que acabaram se elegendo era dito “democratização pressupõe o fortalecimento do poder de decisão e de gestão dos órgãos colegiados e das câmaras setoriais”, e mais “as mudanças não serão alcançadas apenas com a gestão democrática na reitoria, pois requerem um novo ordenamento institucional. Nossa chapa afirma, portanto o compromisso com uma reforma do Estatuto e dos Regimentos da Universidade, a ser elaborada e legitimada pela ampla participação da comunidade. Propomos uma redefinição da composição e das atribuições dos órgãos deliberativos universitários, e, em particular, eleição direta dos membros do Conselho Universitário pela comunidade e por representantes da sociedade, a fim de que seu poder decisório seja ampliado e legitimado”.

Esta e outras promessas de campanha NÃO foram cumpridas, conforme se constata agora no início deste oitavo ano de reitorado. As regras (direitos e deveres) contidas no Estatuto da Universidade não foram modificadas. O atual estatuto permanece ativo, e é um instrumento envelhecido e retrógrado, com mais de 40 anos de idade, tempo suficiente para se elencar grandes transformações, avanços e retrocessos sociais ocorridos no país e nas universidades brasileiras. O que é exigido nos tempos atuais é algo mais ágil, mais ajustado, mais moderno a época, e que possibilite mais democracia nas relações entre a comunidade universitária. O poder continua centralizado na figura do Reitor.

Portanto é preciso que a comunidade universitária avance no diálogo democrático para superar os entraves autoritários que vão desde as práticas pedagógicas mutiladoras do conhecimento dos estudantes, até as atitudes burocráticas com finalidades em si mesmas. Exortamos a luta pela democratização real e não de fachada de nossa Universidade, fundada na mais ampla liberdade de pensamento de professores, técnicos e estudantes, que não devem e não podem ser beneficiados ou prejudicados por razões ideológicas. O princípio de autoridade na Universidade deve fundar-se no saber e na capacidade de aglutinar; o que ultrapasse isso é autoritarismo grosseiro.

Hoje se verifica, infelizmente, que a defesa da democracia não consegue mobilizar todas as tendências políticas representadas no interior de nossa Universidade, o que demonstra que algo esta errado com elas. A UFPE precisa democratizar, e hoje em dia não bastam palavras e pensamento positivo. Ajudam muito, mas apenas quando somado à coerência e à ação.

Lamentavelmente nesses anos da gestão Amaro/Gilson a democratização na UFPE não se materializou, pois esta gestão não promoveu o que havia prometido: a descentralização, a transparência e a participação plena da comunidade universitária nas decisões e destinos de nossa Universidade.

No dia 26 de abril teremos eleições para reitor e será uma nova oportunidade para escolher dirigentes que promovam as mudanças e as transformações esperadas por toda a comunidade. E que seu novo reitor eleito inicie um processo estatuinte de composição paritária, democrática e soberana, com prazo determinado para estabelecer um novo estatuto, em conformidade aos grandes desafios deste inicio de século XXI.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Eleição para reitor e o direito a crítica

Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco

No fundo, todo mundo gosta mesmo é de elogios. Todavia no ambiente
acadêmico em particular, a critica é fundamental e é intrínseca ao meio, e
quando não existe é porque alguma coisa esta errada. A crítica instiga à
reflexão e pode conduzir ao aprimoramento pessoal e coletivo.

Uma dos aprendizados mais importantes na formação do individuo envolve a
capacidade de lidar com a crítica e com as opiniões diferentes de forma
saudável e construtiva. Ainda assim, a crítica nunca é agradável e nem
oferece conforto emocional a quem se destina.

Nesse contexto, não chega a ser surpreendente que exista a tentação de
controlar e silenciar as opiniões críticas, principalmente pelos que se
valem do poder do cargo que ocupa. Consta-se que a história está cheia de
exemplos. No nosso país sob regime militar, regras eram impostas pelo
Estado que proibiam opiniões ou que obrigavam a concordar com outras
opiniões.

Como parece inviável erradicar essa tentação da experiência humana, é
preciso, ao menos, controlá-la. Conviver com a crítica, que a liberdade de
expressão exige, impõe o exercício de virtudes importantes para a
democracia. Suportar a crítica é uma forma de manifestar igual respeito e
consideração com o outro, é esta é a condição necessária para o ambiente
acadêmico.

No caso da Universidade são as regras explicitadas no Estatuto que define
os direitos e os deveres da comunidade universitária. Não pode ser o
dirigente máximo da instituição, o reitor, o árbitro que classifica as
idéias em boas e más. Idéias, não se combatem com penalidades, mas com
outras idéias. E a liberdade de expressão, por evidente, existe para
proteger as idéias críticas: o elogio não precisa de proteção.

Na UFPE estamos submetidos a um Estatuto retrógrado, ultrapassado, da
década de 60 do século passado, cuja comunidade formada pelos estudantes,
técnico-administrativos e professores, é tolhida, em sua plenitude a
participar da instituição. Ai está o desafio da construção de um projeto
para a Universidade, colocar a crítica comprometida com as transformações
sociais e científicas de forma mais ampla e profunda. Um compromisso que
passa pela democratização das estruturas de poder da Universidade, em
especial do Conselho Universitário, atualmente estruturado de forma
antidemocrática. Nele não há uma representação real dos estudantes,
técnicos administrativos e professores, não há eleições para a maioria dos
cargos de conselheiro.

E daí a importância de elegermos para próximo reitor, alguém que tenha um
claro posicionamento sobre a necessidade urgente de se compartilhar o
poder. O reitorado que termina no próximo ano NÃO CUMPRIU com as promessas
feitas, a de promover uma mudança nos estatutos. Foi promessa de campanha
da primeira gestão e da segunda gestão.

Daí, esperamos que na eleição para reitor que acontecerá no próximo
semestre de 2011, tenhamos a oportunidade para discutirmos as diferenças
de idéias entre os candidatos e os compromissos com a democratização da
UFPE. Os que estiveram administrando a Universidade perderam esta
oportunidade. Agora que dêem lugar para uma NOVA UFPE, para uma UFPE VIVA.