segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Greve dos professores do Estado de Pernambuco e os elevados índices de violência do Estado

Por Gildemarks Costa e Silva (CE-UFPE)

Na abertura da I Conferência Estadual de Segurança, o Governador Eduardo Campos foi confrontado com protesto dos professores estaduais que estão em Greve por melhores salários. Curiosamente, o Governo que procura alternativas para a redução dos alarmantes índices de violência do Estado de Pernambuco esquece que a condição de professores com salários deploráveis se constitui em um estímulo ao aluno a não acreditar nas promessas de melhoria social por meio da escola e, em alguns casos, se voltar para "os mundos da criminalidade".

Como há controvérsias públicas sobre o valor do salário dos professores em Pernambuco (sindicato/Governo), o melhor é se concentrar no valor que a imprensa divulgou (mês de julho/09) para a contratação de professores temporários, pois isso é um indicador de como o Governo do Estado vê esse profissional. O salário divulgado é de R$ 618,00 para um professor com 150hs/aula. Ora, não precisa ser economista para perceber que viver com tal salário, principalmente se o professor tiver filhos, implicará uma vida com acesso restrito a determinados bens de consumo. Se o professor conseguir alimentar sua família com dignidade com R$ 618,00 já é muito, nem pense em plano de saúde, carro, residência confortável, compra de livros, viagens culturais etc.

Pois bem, a existência de um profissional com baixos salários mina a própria crença de que estudar permite acesso a uma vida melhor. Sabe-se que entre as principais motivações para se frequentar a escola está a promessa de que após anos de estudos se consegue uma vida melhor. A escola exige do aluno esforço, disciplina; ela exige isso com o discurso de que tal esforço um dia será recompensado com a melhoria na qualidade de vida; a escola na modernidade se baseia, em muito, no anúncio que um dia o estudo irá permitir bons salários, mudança de classe social etc. Como é que o aluno irá acreditar que um dia será alguém por meio da escola se ele sabe que o professor tem baixos salários, se o professor usa o mesmo ônibus superlotado, se está na mesma fila do posto de saúde pública dos alunos mais pobres, se é um profissional que sequer está em condições de dar vida digna para sua família, isso após anos de dedicação aos estudos? Não é à toa, então, que, cada vez mais, jovens pobres se coloquem a questão: "estudar para quê"?

Ora, ao não ter uma resposta com sentido para essa questão, é possível que muitos desistam de estudar e, em alguns casos, possam até escolher outros caminhos (como o da criminalidade) que, talvez, tenham (na visão deles) muito mais sentido. Assim, o Governador Eduardo Campos talvez tenha perdido uma boa oportunidade de anunciar na abertura da I Conferência Estadual de Segurança Pública uma alternativa consistente para diminuir os alarmantes índices de violência do Estado de Pernambuco: fazer a instituição escolar ganhar sentido para todos, especialmente para os mais pobres. Para isso, sem dúvida, um primeiro passo é ter um professor com salário digno.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Diários de classe ao fogo.

Prof. Dr. Antonio Torres Montenegro.
Departamento de História da UFPE.


A foto publicada na imprensa de Pernambuco no sábado, dia 16 de abril de 2009, na página 4 do caderno “cidades”, apresenta o protesto dos professores da rede estadual queimando os diários de classe. Segundo os professores, esses diários são impossíveis de serem preenchidos porque, com a quantidade de alunos que atendem, é humanamente impraticável traçar “a evolução do aprendizado de cada aluno”. Do meu ponto de vista, este protesto revela apenas a ponta do iceberg do grande problema social, político, cultural e econômico que é a educação pública em Pernambuco e no Brasil.

Quando no final do ano passado, o projeto do Piso Salarial Nacional para Professores de R$ 950.00 (novecentos e cinqüenta reais) do senador do PDT Cristóvão Buarque foi aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente Lula, o JC fez uma reportagem sobre o tema. Na oportunidade, colheu o depoimento de diversos professores, e alguns afirmaram que era um avanço, mas que realmente não mudava as condições de vida e trabalho da categoria. No entanto, se tendo a concordar inteiramente com estes professores, muito mais grave e complexa é a questão quando muitos governadores e prefeitos declaram em seguida que não têm recursos para cumprir a lei recém aprovada.

Dessa forma, a gravidade do problema que já se coloca como de grandes dimensões, mesmo com o salário de R$ 950 reais por uma jornada de 200 horas mensais – pois a hora trabalho não alcança R$ 5 reais –, surpreendente é saber que muitos gestores afirmam não terem esses recursos. Em Pernambuco, cujo governador assumiu o compromisso de pagar o referido piso nacional, há dezenas de professores em contratos temporários que recebem a metade desse valor, além de nenhuma garantia trabalhista.

Duas histórias, que passo a relatar revelam ou acentuam o lugar social que a sociedade construiu para a educação pública. A primeira história é a de Mozar Arruda que lava carros no estacionamento do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFPE. Relata-me que, em geral, cobra R$ 6 reais por lavagem e R$ 10 reais por lavagem com cera. Por dia, sua média são 10 carros, ou seja, ganha diariamente entre R$ 60 e R$ 80 reais. Tirando os finais de semana e os feriados, Mozar Arruda trabalha em média 20 dias por mês e sua renda com lavagem de carros oscila entre R$ 1.000, mil reais e R$ 1.400, um mil e quatrocentos reais. A segunda história é a de Márcio Ananias, que concluiu seu mestrado em história na UFPE. Durante o período do mestrado (24 meses) teve direito a uma bolsa do CNPq no valor de R$ 940 reais, para se dedicar integralmente a sua formação como historiador. Concluído o mestrado submeteu-se ao concurso de professor no estado e foi aprovado. Assinou um contrato de 150 horas mensais. Dessa forma, de segunda a quinta-feira tem todas as tardes ocupadas, com 5 aulas, e na sexta-feira duas aulas. Como leciona em diversas turmas de 5ª, 6ª,7ª e 8ª séries, cada uma com média de 40 alunos, tem no total 292 alunos. Como é um rapaz jovem, ainda sem família formada, utiliza as manhãs para corrigir os trabalhos dos alunos. No entanto, mesmo ocupando todas as manhãs, afirma que não consegue toda semana passar trabalhos e corrigí-los como gostaria para ter um acompanhamento efetivo dos seus alunos. Por outro lado, o que torna a situação muito grave e talvez insolúvel é – fato conhecido por todos – que existem alunos que são completamente analfabetos, ou seja, são promovidos às séries seguintes, mesmo sem as condições mínimas de aprendizagem.

Por todo esse trabalho, Márcio Ananias recebe bruto um salário de R$ 925 novecentos e vinte e cinco reais. Isto porque é professor na mata norte (mesmo morando em Recife) e tem direito a um auxílio locomoção de R$ 190 reais. Mas, seus R$ 925 reais é alvo de desconto. Tem o desconto Sassepe saúde de R$ 42 reais e mais o desconto Funafin de R$ 128 reais. Logo, seu salário líquido é de R$ 781 reais. Em face da história de Márcio, que é a mesma de milhares de professores e professoras da rede pública, como esperar que estes realizem um trabalho de acompanhamento, de formação de valores e de comportamentos enfim de educação se as condições materiais impedem um trabalho efetivo nessa direção?

Na década de 1950, quando os americanos do norte estavam muito preocupados com o avanço do comunismo no Brasil, e, em especial, no Nordeste, um deles teria perguntado a Celso Furtado, na época diretor da Sudene: “Porque o Brasil investia tanto na Universidade Pública e tão pouco nas séries fundamentais?” – Celso Furtado teria respondido que primeiro era necessário se investir na formação das elites e depois se preocupar em educar o povo. Não podemos garantir que Celso Furtado realmente tenha dado essa resposta, mas hoje pagamos todos um preço muito alto pela falta de uma educação pública de qualidade para a população. Afinal, com uma escola pública de qualidade, sem dúvida, os níveis de violência, de saúde e mesmo as condições dos profissionais que se apresentam ao mercado de trabalho seriam inteiramente outras.

E meus pensamentos voam novamente a Machado de Assis quando separava o Brasil real do oficial. Sim no Brasil oficial há escolas públicas de qualidade, com média de 30 alunos por turma e salário de professor inicial líquido de mais de R$ 2 mil reais. É só visitar os Colégios de Aplicação, as Escolas Técnicas e os Colégios Militares. Talvez seja o momento da sociedade aliar-se aos professores numa cruzada salarial e pedagógica pois não há dúvida que esses profissionais são os maiores responsáveis pela construção de um efetivo processo civilizatório para a maioria da população.

terça-feira, 30 de junho de 2009

O neo pelego

Heitor Scalambrini Costa

Professor da Universidade Federal de Pernambuco

No instrumental dos peões, pelego é um pano grosso e dobrado, ou uma pele de carneiro curtida, mas ainda com a lã, que se coloca em cima do arreio. O cavaleiro monta sobre o pelego antes de montar sobre o cavalo. Conforme o mestre Aurélio, pelego é: a pele do carneiro com a lã; pele usada nos arreios à maneira de xairel; indivíduo subserviente, capacho. É sobre essa última definição que quero comentar.

O termo pelego foi popularizado durante o governo de Getúlio Vargas, nos anos 1930. Imitando a Carta Del Lavoro, do fascista italiano Benito Mussolini, Vargas decretou a Lei de Sindicalização em 1931, submetendo os estatutos dos sindicatos ao Ministério do Trabalho. Pelego era então o líder sindical de confiança do governo que garantia o atrelamento da entidade ao Estado. Décadas depois, o termo voltou à tona com a ditadura militar. Pelego passou a ser o dirigente sindical apoiado pelos militares, sendo o representante máximo do chamado sindicalismo marrom. A palavra, que antigamente designava a pele ou o pano que amaciava o contato entre o cavaleiro e a sela, virou sinônimo de traidor dos trabalhadores e aliado do governo e dos patrões. Logo, quando se chamado de pelego, significava que a pessoa era subserviente/servil/dominada por outra, ou seja, capacho, puxa-saco, bajulador.

Mas como se pode definir esse trabalhador que se acovarda, que aceita tudo o que o patrão e o governo querem, sem questionar? Pelego é trabalhador que se deixa montar pelo patrão e/ou pelo governo; é o que não consegue reagir frente à humilhação; é quem não luta por seus direitos, por medo das conseqüências; é o pusilânime que se esconde atrás de desculpas esfarrapadas para justificar a própria covardia; o que não tem coragem de lutar, o(a) COVARDE, enfim, o que se esconde atrás daqueles que lutam, aproveitando da peleja alheia como um parasita. Pelego é aquele trabalhador que não sabe o significado da palavra solidariedade, o egoísta que não consegue ver nada além de suas próprias e momentâneas necessidades; é aquele(a) que, terminada a greve, não consegue olhar nos olhos de seus companheiros, porque se sente uma sub-pessoa, uma não-gente, pois lhe falta uma parte essencial a todo ser humano que se preze: o brio, a coragem, o amor próprio, a nobreza de caráter, enfim.

Em tempos mais recentes, com a eleição do governo Lula, presidente originário do movimento sindical, os movimentos sociais foram cooptados e trazidos para dentro do aparelho do Estado, e lá eles se neutralizaram, se anestesiaram, se despolitizaram. O “oficialismo” tirou qualquer possibilidade de crítica e de reivindicação política. Os sindicalistas, militantes tornaram-se assim, em muitos casos, funcionários do governo. E agora, quem arbitra e decide tudo é o presidente. De fato, esses movimentos, os trabalhadores e muitos sindicatos confundiram a necessária postura de autonomia que deveriam manter em defesa dos direitos dos trabalhadores, e não souberam lidar com esta realidade. Tornaram-se parceiros, associados do governo e dos patrões, chamados agora de neo pelegos. Todos irmanados no mesmo interesse, como se fosse possível apagar, negar as classes sociais. Como se não existisse mais o capital e o trabalho. Existe maior embuste? Sem deixar de mencionar que tiveram mais recentemente, aprovado o imposto sindical, e que recebem recursos financeiros de vários Ministérios e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Só a militância crítica há de nos livrar da sina de ser neo pelego. Afinal, a gente pode até morrer teso, mas nunca perdendo a pose. Tudo pode ser tirado, mas não se pode tirar a coragem de lutar de uma pessoa decidida. Recuso-me a sair da militância política pela construção de uma sociedade justa, solidária, que leve em conta a humanidade dos homens e mulheres em qualquer parte do mundo. Não é esta a grande e universal luta dos trabalhadores?

Ser neo pelego? Nenhum trabalhador ou trabalhadora jamais deveria passar por essa infâmia.