quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

O desafio de nossa geração

Heitor Scalambrini Costa (hscosta@ufpe.br)
Professor da Universidade Federal de Pernambuco

Diferente daquele extraordinário 1968, onde idéias e causas libertárias empolgavam boa parte do mundo, e no Brasil a cena dominante era a forte efervescência política questionando a ditadura militar, vivemos nos últimos anos sob a tacanha do pensamento hegemônico, o do neoliberalismo.

Ao governo, na visão neoliberal, cabe criar e preservar certas condições que permitam ao mercado operar. É o capitalismo financeiro determinante dos fluxos de dinheiro, dos lucros obtidos, dos problemas econômicos, das crises dos países. O mercado decide, o mercado determina. É a chamada globalização financeira.

Decorrente da atual política neoliberal o mundo só conseguiu produzir menores taxas de crescimento, maior desigualdade social e crises recorrentes, e que culminaram com os graves problemas enfrentados na atualidade: a recessão-depressão econômica, a insegurança energética e alimentar, e o aquecimento global. E agora, avizinha-se uma conjuntura de desemprego e ampliação da miséria.

Ao longo dos últimos anos os governos adotaram as receitas neoliberais ditadas por organizações dirigidas pelos paises centrais, como a OMC, o Banco Mundial e o FMI, no âmbito dos programas de ajustamento estrutural e de redução da pobreza. Em nome da luta contra a pobreza, estas instituições convenceram os governos a executarem políticas que reproduziram e aumentaram a pobreza.

Os ideólogos do neoliberalismo, da desregulação da economia, do Estado mínimo e do laissez-faire dos mercados mentiram para toda a humanidade, prometendo-lhe o melhor dos mundos. Sem essa via não existiam alternativas, diziam. Tudo isso foi agora desmascarado com a explosão mundial da crise econômica e financeira em 2007-2008, mostrando o quão interligadas estão as economias do planeta.

Foram os processos de produção e consumo orientadores do sistema de desenvolvimento dominante, e a idéia de progresso como sinônimo de crescimento econômico, que levaram o planeta a uma situação na qual pode ser gerada uma alteração irreversível no clima, com conseqüências físicas, econômicas e sociais catastróficas para todos os países. Pelo menos, é o que pensam aqueles que atribuem boa parte dos atuais problemas à atividade humana.

Há aqueles ainda, que dizem que nunca antes na história da humanidade tantos viveram com tanta fartura, com tanta longevidade, com tanto conforto e com tantas opções para consumo. Contudo, estes privilegiados são poucos em relação aos mais de 6 bilhões de seres humanos que habitam o planeta na atualidade. Mais de 4 bilhões de pessoas vivem hoje com menos de 1 dólar por dia, segundo dados do Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), e mais de um terço da população urbana mundial mora em favelas.

Logo, trazer toda a humanidade a um padrão de vida digno, com acesso a alimentação adequada, a saúde, a educação e oportunidades de trabalho é uma questão que passa pela mudança de paradigma, e constitui em um grande desafio. Visto que para continuar o crescimento da produção e do consumo atuais, como é proposto pelo modelo vigente, precisaríamos de mais de um planeta Terra, pois hoje já são consumidos recursos naturais a uma taxa 30% maior do que a Terra tem condições de repor. Aqui reside o limite do capital: o limite da Terra. Isso não existia na crise de 1929.

A conjugação destas crises e impasses mostra aos povos a necessidade de se libertarem da sociedade capitalista e do seu modelo produtivo consumista. A ligação entre as crises põe em evidência a necessidade de um programa anticapitalista e revolucionário em escala planetária. A humanidade não poderá contentar-se com meias medidas. É preciso arrancar o mal pela raiz. A direção das soluções deve ser no sentido em que elas sejam favoráveis aos povos e à natureza.

O que está em jogo, de fato, é a disposição das sociedades em reduzir e alterar drasticamente a forma de consumo, redefinir o modelo de produção e a idéia mesmo de desenvolvimento; e, em passar a medir o êxito de um país por seus indicadores sociais e ambientais, e não mais apenas por sua riqueza financeira.

Portanto, o desafio que se coloca neste início do século XXI é nada menos do que mudar o curso da civilização. É preciso construir uma nova ordem internacional, que respeite a soberania dos povos e das nações. Deslocar, num curto espaço de tempo, o eixo da lógica “viver é produzir sem fim e consumir o mais que pode” que leva a acumulação, para uma lógica em função do bem estar social, do exercício da liberdade e da cooperação entre os povos.

Há quem diga que um pesado imposto será cobrado das gerações futuras. Essa visão aumenta em muito a responsabilidade da atual geração. É fundamental que outras formas de relação do ser humano com a natureza sejam assumidas e que novas tecnologias, de alta eficiência na utilização de recursos naturais e com mínimos impactos ambientais sejam desenvolvidas e adotadas em larga escala.
Precisamos sim valorizar aspectos relativos às questões que sempre foram colocadas pelo ser humano: que sentido tem a vida e o universo, qual é o nosso lugar? Portanto, há que se ouvir mais os pensadores e os que ainda amam a vida e cuidam da Terra, do que os governos, os economistas, entre outros.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Universidade apática

Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco

Nos últimos anos, diversas ações governamentais mudaram significativamente o papel crítico da Universidade Pública Brasileira, no contexto do ensino, da pesquisa e da extensão.

Professores destas instituições têm sido instigados a se transformarem em empreendedores e a focarem suas ações em trabalhos que tenham aplicação mercantil. A desresponsabilização do Estado e a privatização da pesquisa e do ensino superior público, estão contribuindo para a mercantilização do ensino e para o empresariamento do conhecimento, visto que os cursos instituídos e as pesquisas realizadas têm se voltado predominantemente para atender as demandas do mercado de uma sociedade capitalista, centrada no consumismo, no militarismo, e na lógica do processo de acumulação de mais capital. E, é esta concepção, que está levando o nosso planeta - e os seres vivos que o habitam - a uma situação catastrófica do ponto de vista do meio-ambiente, das condições de sobrevivência da vida humana e da vida em geral. O capitalismo transforma em mercadoria tudo aquilo que está ao seu alcance.
Não podemos jamais esquecer que é a educação que constitui em um fator fundamental para o desenvolvimento social, econômico e político de um país. O investimento feito nessa área representa uma aposta no futuro e a possibilidade de reforço à autodeterminação de um povo que pode ter, por essa via – que representa a formação de quadros dirigentes e de produção de conhecimento - a independência vis-à- vis dos países “centrais” em relação a produção intelectual e tecnológica.

O movimento docente a nível nacional através de seu Sindicato ANDES tem uma proposta para a Universidade Brasileira, construída democraticamente ao longo de debates, reuniões e congressos da categoria. Para nós a isonomia salarial e a carreira única são fatores indispensáveis às condições de trabalho que possam, de fato, garantir um padrão de qualidade para a produção acadêmica, em âmbito nacional. Para nós, a autonomia universitária só tem sentido se obedecer ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e estiver aliada, ao processo de democratização interna. A dotação orçamentária global, proposta pelo movimento docente, é um importante passo para a autonomia de gestão financeira e patrimonial das Instituições de Ensino Superior, e só terá resultados positivos se for garantido o financiamento pelo Estado e a plena participação da comunidade universitária na elaboração, fiscalização e execução do orçamento. Consideramos, também, que a autonomia para a universidade significa também autonomia didático-científica.

Portanto nos posicionamos em defesa da Universidade Pública e Gratuita, da produção do conhecimento, da ciência e da tecnologia comprometidos com a emancipação social. De uma sociedade que produza e distribua riquezas e na qual a corrupção e a impunidade sejam banidas de todas as esferas. Defendemos e lutamos por uma sociedade com justiça social, onde mulheres e homens sejam respeitados, sejam livres, felizes e comprometidos com o presente e o futuro do planeta.

Conclamamos a toda comunidade universitária a avançar no diálogo democrático para superar os entraves autoritários que vão desde as práticas pedagógicas mutiladoras do conhecimento dos estudantes, até as atitudes burocráticas com finalidades em si mesmas.

Nossa tarefa? A resistência crítica a partir da base, e contribuir para a reorganização de uma visão eco-socialista, revendo de forma decisiva a contradição entre o credo produtivista-consumista, e a evidência de um modelo de progresso que caminha para a destruição irreversível do ambiente natural.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Por que os associados da ADUFEPE evitam comparecer às assembléias?

1. As poucas pessoas que comparecem às assembléias convocadas pela ADUFEPE já se acostumaram a ouvir que elas, as assembléias, constituem a instância mais democrática que a entidade possui para debater questões e tomar decisões que interessam à categoria; que ali – e só ali – é possível o “olho no olho”; que nas assembléias, o direito à palavra é franqueado a todos, sem distinção; que qualquer um, a qualquer momento, pode expressar suas idéias, defender suas propostas, etc, E que nenhum plebiscito ou consulta eletrônica pode substituir uma assembléia. Será mesmo assim?

2. Será que não existem outras formas de saber o que a “categoria” pensa ou quer? Não existem outras formas de chegar até os professores? Claro que sim, mas estas formas são condenadas por não possibilitarem o “debate democrático”, não permitirem o “olho no olho”. Só as assembléias seriam efetivamente democráticas! Ali são apresentadas e defendidas propostas, sempre em nome do interesse maior da “categoria”.

3. Nas assembléias as coisas parecem ser muito simples: de um lado estão os desinteressados, aqueles que estão ao lado “da categoria”, que se colocam como o lado do bem, da verdade e da justiça. Do outro, o lado do mal, daqueles que defendem interesses escusos, do governo, da “reitoria”, dos “pelegos”, do “mercado”, etc.

4. As assembléias permitem a caracterização de um grupo formado por aqueles que não se importam em discutir à exaustão, que não sentem fome ou sede, que não têm interesses pessoais; que não se importam se a assembléia dura 4 ou 6 horas. Afinal, a defesa dos “interesses da categoria” está acima de qualquer coisa. Inclusive do eventual esvasiamento da própria assembléia (quantas vezes ouvimos: “quem não está aqui é porque não quer!” “Não veio, então tem que se submeter às decisões daqueles que aqui estão!”). Definitivamente, não há nada mais democrático do que uma assembléia. Ela estará sempre lá, aberta à participação de qualquer um, mesmo que esses uns sejam muito poucos! As convocações são feitas! As assembléias são públicas, abertas!

5. Mas uma assembléia que termina com dez ou quinze professores tomando decisões não vai de encontro aos argumentos que defendem o seu caráter democrático? Claro que não, pois aqueles que lá permanecem até o fim, mesmo sendo apenas dez ou quinze, são legítimos representantes da “categoria”. Afinal, a “categoria” não precisa estar toda lá. Os que comparecem tomarão as decisões em seu nome. Quem achar injusto.......que vá para a assembléia!!!

6. Esse argumento encobre – por ingenuidade ou má fé – interesses daqueles que, costumeiramente, freqüentam e comandam as assembléias. Assembléias que nem sempre são um espaço aberto à espontaneidade, livres para qualquer pronunciamento que, a qualquer momento, ocorra a qualquer dos presentes. As assembléias sindicais possibilitam, principalmente, a expressão de militantes, de representantes de grupos, tendências, partidos.

7. Nessa direção, não é preciso ser muito observador para perceber que aqueles que sistematicamente se inscrevem para falar e defender propostas nas assembléias não são os docentes “comuns”, mas aqueles que demonstram maior capacidade argumentativa e, por isso, comandam a tomada de decisões. Afinal, o que fazer se as pessoas se comportam como massa e se deixam levar por discursos inflamados ou retóricas poderosas? Afinal, nas assembléias valem os votos, a maioria das mãos para o alto. Os que vencem, podem falar em nome da “categoria”. Não importa se são 9 contra 4, 12 contra 5, 13 contra 6. Não importa. Esses 9 ou 13 tomam para si o direito de, “democraticamente”, falar em nome da “categoria”. Afinal, quem, lá não estava, não estava porque não quis. A convocação foi feita.......

8. Nessa circularidade de argumentos, nas assembléias alguns poucos seguem “iluminando” a “categoria” e desfazendo ilusões. Nas assembléias, a “categoria” pode, finalmente, enxergar a verdade, saber das ameaças que sobre ela pesam. Nas assembléias, a “categoria” pode, finalmente, ouvir a palavra daqueles que não estão cegos nem surdos; daqueles que já viram a luz; daqueles que sabem!

9. Enfim, os docentes da UFPE relutam em comparecer às assembléias porque lá são obrigados a assistir alguns espetáculos de arrogância, de manipulação, de falta de respeito para com as idéias alheias. Nas assembléias da ADUFPE tornaram-se comuns as manobras para estender, ao máximo, a hora do encerramento dos trabalhos, os discursos agressivos, a permanente desqualificação das propostas do outro, etc. Os docentes da UFPE, diante da repetição desses momentos desagradáveis, terminam por se isolar no silêncio e na ausência.

10. A saída? Descobrir formas paralelas de ascultar a categoria sem as manhas e manipulações que, infelizmente, marcam as nossas assembléias. A saída? Descobrir fórmulas de exercer uma gestão democrática dos interesses da categoria (sem aspas) onde a maioria, mesmo que silenciosa, possa se expressar. A saída? Agendar debates (sem votações), amplamente divulgados, sobre temas relevantes, escolhidos através de consultas aos associados.A saída? Fortalecer os núcleos de bom senso espalhados por todos os centros, núcleos que se refugiaram no silêncio, deixando espaço para o crescimento da barulhenta (às vezes histérica) militância assembleísta.

11. Há como resgatar a confiança do campus na sua entidade. O caminho parece estar numa gestão descentralizada, que não limite seu trabalho à convocação de assembléias a cada 15 dias, reduzindo a “categoria” àqueles que as freqüentam. Uma gestão que se (re)aproxime dos professores e professoras da UFPE respeitando as diferenças políticas e ideológicas que existem no seu interior e os limites individuais que cada um possa ter para expressar, em assembléias, suas idéias. Uma gestão que adote novas formas de comunicação ou diálogo com suas bases. Pacientemente. Respeitosamente.

Geraldo Barroso