sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Universidade apática

Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco

Nos últimos anos, diversas ações governamentais mudaram significativamente o papel crítico da Universidade Pública Brasileira, no contexto do ensino, da pesquisa e da extensão.

Professores destas instituições têm sido instigados a se transformarem em empreendedores e a focarem suas ações em trabalhos que tenham aplicação mercantil. A desresponsabilização do Estado e a privatização da pesquisa e do ensino superior público, estão contribuindo para a mercantilização do ensino e para o empresariamento do conhecimento, visto que os cursos instituídos e as pesquisas realizadas têm se voltado predominantemente para atender as demandas do mercado de uma sociedade capitalista, centrada no consumismo, no militarismo, e na lógica do processo de acumulação de mais capital. E, é esta concepção, que está levando o nosso planeta - e os seres vivos que o habitam - a uma situação catastrófica do ponto de vista do meio-ambiente, das condições de sobrevivência da vida humana e da vida em geral. O capitalismo transforma em mercadoria tudo aquilo que está ao seu alcance.
Não podemos jamais esquecer que é a educação que constitui em um fator fundamental para o desenvolvimento social, econômico e político de um país. O investimento feito nessa área representa uma aposta no futuro e a possibilidade de reforço à autodeterminação de um povo que pode ter, por essa via – que representa a formação de quadros dirigentes e de produção de conhecimento - a independência vis-à- vis dos países “centrais” em relação a produção intelectual e tecnológica.

O movimento docente a nível nacional através de seu Sindicato ANDES tem uma proposta para a Universidade Brasileira, construída democraticamente ao longo de debates, reuniões e congressos da categoria. Para nós a isonomia salarial e a carreira única são fatores indispensáveis às condições de trabalho que possam, de fato, garantir um padrão de qualidade para a produção acadêmica, em âmbito nacional. Para nós, a autonomia universitária só tem sentido se obedecer ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e estiver aliada, ao processo de democratização interna. A dotação orçamentária global, proposta pelo movimento docente, é um importante passo para a autonomia de gestão financeira e patrimonial das Instituições de Ensino Superior, e só terá resultados positivos se for garantido o financiamento pelo Estado e a plena participação da comunidade universitária na elaboração, fiscalização e execução do orçamento. Consideramos, também, que a autonomia para a universidade significa também autonomia didático-científica.

Portanto nos posicionamos em defesa da Universidade Pública e Gratuita, da produção do conhecimento, da ciência e da tecnologia comprometidos com a emancipação social. De uma sociedade que produza e distribua riquezas e na qual a corrupção e a impunidade sejam banidas de todas as esferas. Defendemos e lutamos por uma sociedade com justiça social, onde mulheres e homens sejam respeitados, sejam livres, felizes e comprometidos com o presente e o futuro do planeta.

Conclamamos a toda comunidade universitária a avançar no diálogo democrático para superar os entraves autoritários que vão desde as práticas pedagógicas mutiladoras do conhecimento dos estudantes, até as atitudes burocráticas com finalidades em si mesmas.

Nossa tarefa? A resistência crítica a partir da base, e contribuir para a reorganização de uma visão eco-socialista, revendo de forma decisiva a contradição entre o credo produtivista-consumista, e a evidência de um modelo de progresso que caminha para a destruição irreversível do ambiente natural.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Por que os associados da ADUFEPE evitam comparecer às assembléias?

1. As poucas pessoas que comparecem às assembléias convocadas pela ADUFEPE já se acostumaram a ouvir que elas, as assembléias, constituem a instância mais democrática que a entidade possui para debater questões e tomar decisões que interessam à categoria; que ali – e só ali – é possível o “olho no olho”; que nas assembléias, o direito à palavra é franqueado a todos, sem distinção; que qualquer um, a qualquer momento, pode expressar suas idéias, defender suas propostas, etc, E que nenhum plebiscito ou consulta eletrônica pode substituir uma assembléia. Será mesmo assim?

2. Será que não existem outras formas de saber o que a “categoria” pensa ou quer? Não existem outras formas de chegar até os professores? Claro que sim, mas estas formas são condenadas por não possibilitarem o “debate democrático”, não permitirem o “olho no olho”. Só as assembléias seriam efetivamente democráticas! Ali são apresentadas e defendidas propostas, sempre em nome do interesse maior da “categoria”.

3. Nas assembléias as coisas parecem ser muito simples: de um lado estão os desinteressados, aqueles que estão ao lado “da categoria”, que se colocam como o lado do bem, da verdade e da justiça. Do outro, o lado do mal, daqueles que defendem interesses escusos, do governo, da “reitoria”, dos “pelegos”, do “mercado”, etc.

4. As assembléias permitem a caracterização de um grupo formado por aqueles que não se importam em discutir à exaustão, que não sentem fome ou sede, que não têm interesses pessoais; que não se importam se a assembléia dura 4 ou 6 horas. Afinal, a defesa dos “interesses da categoria” está acima de qualquer coisa. Inclusive do eventual esvasiamento da própria assembléia (quantas vezes ouvimos: “quem não está aqui é porque não quer!” “Não veio, então tem que se submeter às decisões daqueles que aqui estão!”). Definitivamente, não há nada mais democrático do que uma assembléia. Ela estará sempre lá, aberta à participação de qualquer um, mesmo que esses uns sejam muito poucos! As convocações são feitas! As assembléias são públicas, abertas!

5. Mas uma assembléia que termina com dez ou quinze professores tomando decisões não vai de encontro aos argumentos que defendem o seu caráter democrático? Claro que não, pois aqueles que lá permanecem até o fim, mesmo sendo apenas dez ou quinze, são legítimos representantes da “categoria”. Afinal, a “categoria” não precisa estar toda lá. Os que comparecem tomarão as decisões em seu nome. Quem achar injusto.......que vá para a assembléia!!!

6. Esse argumento encobre – por ingenuidade ou má fé – interesses daqueles que, costumeiramente, freqüentam e comandam as assembléias. Assembléias que nem sempre são um espaço aberto à espontaneidade, livres para qualquer pronunciamento que, a qualquer momento, ocorra a qualquer dos presentes. As assembléias sindicais possibilitam, principalmente, a expressão de militantes, de representantes de grupos, tendências, partidos.

7. Nessa direção, não é preciso ser muito observador para perceber que aqueles que sistematicamente se inscrevem para falar e defender propostas nas assembléias não são os docentes “comuns”, mas aqueles que demonstram maior capacidade argumentativa e, por isso, comandam a tomada de decisões. Afinal, o que fazer se as pessoas se comportam como massa e se deixam levar por discursos inflamados ou retóricas poderosas? Afinal, nas assembléias valem os votos, a maioria das mãos para o alto. Os que vencem, podem falar em nome da “categoria”. Não importa se são 9 contra 4, 12 contra 5, 13 contra 6. Não importa. Esses 9 ou 13 tomam para si o direito de, “democraticamente”, falar em nome da “categoria”. Afinal, quem, lá não estava, não estava porque não quis. A convocação foi feita.......

8. Nessa circularidade de argumentos, nas assembléias alguns poucos seguem “iluminando” a “categoria” e desfazendo ilusões. Nas assembléias, a “categoria” pode, finalmente, enxergar a verdade, saber das ameaças que sobre ela pesam. Nas assembléias, a “categoria” pode, finalmente, ouvir a palavra daqueles que não estão cegos nem surdos; daqueles que já viram a luz; daqueles que sabem!

9. Enfim, os docentes da UFPE relutam em comparecer às assembléias porque lá são obrigados a assistir alguns espetáculos de arrogância, de manipulação, de falta de respeito para com as idéias alheias. Nas assembléias da ADUFPE tornaram-se comuns as manobras para estender, ao máximo, a hora do encerramento dos trabalhos, os discursos agressivos, a permanente desqualificação das propostas do outro, etc. Os docentes da UFPE, diante da repetição desses momentos desagradáveis, terminam por se isolar no silêncio e na ausência.

10. A saída? Descobrir formas paralelas de ascultar a categoria sem as manhas e manipulações que, infelizmente, marcam as nossas assembléias. A saída? Descobrir fórmulas de exercer uma gestão democrática dos interesses da categoria (sem aspas) onde a maioria, mesmo que silenciosa, possa se expressar. A saída? Agendar debates (sem votações), amplamente divulgados, sobre temas relevantes, escolhidos através de consultas aos associados.A saída? Fortalecer os núcleos de bom senso espalhados por todos os centros, núcleos que se refugiaram no silêncio, deixando espaço para o crescimento da barulhenta (às vezes histérica) militância assembleísta.

11. Há como resgatar a confiança do campus na sua entidade. O caminho parece estar numa gestão descentralizada, que não limite seu trabalho à convocação de assembléias a cada 15 dias, reduzindo a “categoria” àqueles que as freqüentam. Uma gestão que se (re)aproxime dos professores e professoras da UFPE respeitando as diferenças políticas e ideológicas que existem no seu interior e os limites individuais que cada um possa ter para expressar, em assembléias, suas idéias. Uma gestão que adote novas formas de comunicação ou diálogo com suas bases. Pacientemente. Respeitosamente.

Geraldo Barroso

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Unicidade Sindical

A unicidade sindical é uma imposição do Estado Brasileiro criada com a intenção explícita de manter os sindicatos e seus dirigentes sob controle governamental. Na época em que foi instituída, essa interferência sobre a atividade sindical era apenas mais uma expressão dos controles que, acreditava-se, o Estado deveria exercer sobre a sociedade brasileira, tutelando-a nos mais diversos setores. Tornada uma norma jurídica, estabelecia que não poderia haver mais de uma representação sindical oficial para uma mesma base. Dito de outra forma, o governo só poderia conceder uma única “carta sindical” a um único sindicato “oficial”.

Essa legislação, é obvio, provocava indignação entre forças políticas organizadas que atuavam no meio sindical, forças que defendiam as bandeiras da autonomia e da liberdade de organização dos trabalhadores e sustentavam projetos políticos de superação do Estado capitalista. Essa ação do “Estado burguês” se fazia contra os interesses dos trabalhadores sujeitos à exploração do capital, na medida em que punha as lutas sindicais sob controle e limites de governos associados a interesses patronais

Assim, a defesa da liberdade de organização sindical, sem a interferência do Estado, também faz parte dessa história. Ocorre que, durante décadas, parte considerável dos dirigentes sindicais, inclusive os rotulados “de esquerda”, se colocaram sob a sombra protetora do Estado, apelando à unicidade, numa defesa ferrenha da posse da “Carta Sindical”. Os argumentos em defesa da liberdade e autonomia sindical tinham mais presença nos discursos, pois temia-se que uma liberdade de fato (ou seja: o fim do reconhecimento oficial da representação sindical), geraria, com certeza, ações “divisionistas”, promovidas pelos patrões através de “agentes” seus infiltrados no meio trabalhista.

A fundação da CUT é um exemplo expressivo da hegemonia dessa concepção, mesmo em forças auto-proclamadas como de esquerda atuantes no movimento sindical. Acusando outras articulações sindicais nacionais, ainda durante o governo do General Figueiredo de serem instituições à serviço dos interesses patronais, a CUT se anunciava como uma central classista, combativa, autônoma, mas – e isso passava desapercebido à maioria de nós – única. Objetivamente, o que nós pretendíamos, não era sermos “únicos”, mas os únicos. Pretendíamos ser “a” Central Sindical, com reconhecimento suficiente para afastar da cena sindical as entidades “fantasmas” ou “pelegas”.

Nossos argumentos? Todos legítimos, nobres, plenamente justificáveis. Havia que manter a “unidade” das lutas sindicais através de um comando único “legítimo” para as jornadas de enfrentamento com os patrões (incluindo aí os diferentes governos de âmbitos distintos). Havia que assegurar uma unidade “combativa” para não “enfraquecer” as jornadas de lutas das categorias. Havia que estender ao movimento sindical como um todo o programa de uma central sindical hegemônica, reconhecida: a CUT. Havia que separar o joio do trigo.

Contudo, nem sempre ficava explícito àqueles que participaram dessa construção histórica, que as Cartas sindicais oficiais não eram apenas uma defesa contra “os patrões” e suas prováveis ações divisionistas, mas serviam também à exclusão de posições políticas existentes no interior mesmo do movimento sindical discordantes do sindicalismo oficial.

Estava, e está, em questão, de um lado, uma concepção unitária de democracia, que enfatiza a prioridade absoluta dos direitos da maioria – que tem uma expressão numérica incontestável – sobre posições minoritárias e, de outro, uma outra concepção de democracia que defende a pluralidade e o direito à expressão política de minorias. Está em discussão se os trabalhadores organizados devem, independentemente da legislação vigente, criar, com total liberdade e autonomia, suas instituições sindicais.

Parece ser essa a razão que explica a fundação do CONLUTAS. Essa entidade resulta de avaliações políticas que denunciam o caráter “governista” da CUT e o afastamento desta entidade fundada anos 1980 daqueles que deveriam ser seus objetivos maiores, em defesa da independência dos trabalhadores diante dos governos (de qualquer governo, diga-se de passagem). Nesse caso, anunciando que a verdade estava do seu lado (uma característica comum aos fundamentalistas), diversas forças minoritárias presentes no movimento sindical, sentindo-se sufocadas pela hegemonia cutista, não hesitaram, em nenhum momento, em ser divisionistas e fundar, livremente (como deve ser, sempre), uma outra entidade.

Temos aqui um exemplo das contradições que nos atingem. Pois esses mesmos fundadores da CONLUTAS, são contra uma outra entidade que reivindica representar os docentes das universidades federais, alegando que a ANDES deve ser o representante “único” (ou deveríamos dizer monopolista?) dos docentes do ensino superior. A ANDES luta desesperadamente pela carta sindical – ou, se preferimos, pelo monopólio “oficial” da representação sindical de uma categoria – luta, consequentemente, por abrigar-se sob a sombra protetora do Estado brasileiro. Ou não?

A unicidade sindical ainda é defendida pela quase totalidade do movimento sindical organizado. Recentemente, um poderoso movimento de defesa do imposto sindical obrigatório nos deu a medida da distância que nos separa de um sindicalismo efetivamente autônomo.

Mas quem tem medo de enfrentar uma disputa, na base, pela representação sindical mais legítima? Quem é, afinal, “pelego” nessa história? Quem defende a unicidade sindical, como a ANDES? Ou quem defende o PROIFES? Porque em um caso (a fundação da CONLUTAS) o “divisionismo” é um ato legítimo e, em outro (fundação do PROIFES), é “peleguismo”? Afinal, os docentes devem ter a liberdade de escolher a representação que lhes parece mais adequada à defesa dos seus interesses ou devem se reunir, compulsoriamente, numa única entidade “oficial”?Será que temos a medida do quantum de autoritarismo e arbitrariedade está implícito na unicidade sindical?

Estão postas aí algumas questões que, ao nosso ver, podem desencadear um “bom combate”. São, apenas, provocações iniciais. Ao debate!

(a) Geraldo Barroso, novembro de 2008