terça-feira, 2 de abril de 2013

Energia nuclear e maledicências

 Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco

Existem maledicências evidentes quando se defende a expansão de usinas nucleares no país, justificando-as com o que está ocorrendo em diversas partes do mundo, com a necessidade da núcleoeletricidade para garantir o crescimento econômico, e de relacionar a construção dessas usinas no Nordeste com o desenvolvimento regional.

No debate verifica-se uma intransigência de origem daqueles que comandam o setor. E um jogo de interesses de grupos que se beneficiariam caso estes projetos se concretizem, em detrimento dos interesses nacionais. Nem tudo é dito claramente, explicitado a sociedade, quando o assunto é energia nuclear. Há pouca informação manipulada que circula na grande mídia, desnudando o caráter antidemocrático e “fechado” que domina o setor energético, controlado por interesses políticos, econômicos e militares.

Se propagandeia falsamente que a indústria nuclear está em plena efervescência e florescente no mundo. Com mais, e mais paises adotando esta tecnologia como solução para atender suas necessidades energéticas. Toma-se como exemplo, os Estados Unidos da América, país que menos respeita a natureza e o mais poluidor do mundo, juntamente com a China. O EUA declinou de assinar o protocolo de Kyoto, não se comprometendo a reduzir suas emissões de CO2(o principal gás de efeito estufa – GEE), além de dificultar nos fóruns internacionais, propostas para combater o aquecimento global. Mais recentemente, optou pela produção de gás obtido a partir do betume, combustível fóssil e com grande capacidade de emissão de GEEs,. Com certeza, este país não é exemplo para ninguém no que concerne suas escolhas energéticas e a defesa do meio ambiente.

Por outro lado, tenta-se desqualificar a decisão da Alemanha de abdicar da instalação de novos reatores nucleares e de desativar os já existentes em seu território. Chega-se a especular que tal decisão poderá se revista no futuro próximo. Não são citados outros paises que também abandonaram a construção de novos reatores, como a Itália, cuja decisão foi referendada em um plebiscito, onde mais de 95% dos votos foram contrários à construção de novas usinas nucleares. Também a Bélgica, Áustria dentre tantos outros que abandonaram a tecnologia nuclear.

A França, símbolo mundial no uso da eletricidade nuclear, com seu governo socialista, prometeu aos seus eleitores na última campanha presidencial, diminuir ao longo dos próximos anos o uso da energia nuclear em seu território, substituindo-a por fontes renováveis de energia. Portanto, os indecisos sobre a questão nuclear devem procurar as informações em diferentes fontes sobre o que ocorre no mundo pós Fukushima.

No Japão, hoje ocorre uma verdadeira queda de braço entre o primeiro ministro, que insiste na reativação dos 50 reatores que permanecem desligados depois da tragédia de 11 de março, e a população. Recente pesquisa de opinião mostra que mais de 70% da população japonesa é contrária ao uso da energia nuclear, e está disposta a impedir que o plano do primeiro ministro de religar as centrais aconteça.

A falácia de que a energia nuclear é essencial para atender as necessidades energéticas é um argumento que vem sendo utilizado desde a ditadura militar. Na época, para justificar o acordo Brasil-Alemanha em 1975, se previa a instalação de 8 reatores nucleares e se afirmava peremptoriamente, ser imprescindível esta fonte para ofertar mais energia para o crescimento do “gigante adormecido”. Somente uma foi construída, Angra II, iniciando sua operação em setembro de 1981. Quanto as 7 usinas restantes, realmente elas não fizeram falta, e o Brasil não entrou em colapso, conforme se apregoava.

Hoje, a ladainha volta à tona, com uma propaganda enganosa relacionando os “apagões” e desabastecimento com a urgência de se expandir o parque nuclear. Uma mentira sem tamanho, suportada por um planejamento energético equivocado, onde predomina as decisões políticas de um grupo encastelado há anos no Ministério de Minas e Energia, que apóia esta ou aquela tecnologia energética, em função de seus interesses imediatos e não da maioria da população.

Por outro lado, afirmar que a instalação de uma usina nuclear no sertão brasileiro é “uma oportunidade única que poderá ser o ponto de partida de um grande processo de desenvolvimento regional”, trata de uma promessa vaga, destituída de fundamento. E só quem acredita, em papai Noel, mula sem cabeça, saci pererê, coelhinho da páscoa, e tantos outros personagens do imaginário popular, crê nesta afirmativa.

A instalação de uma usina nuclear, do modelo previsto, orçada em mais de 10 bilhões de reais, produz menos empregos que as industrias da tecnologia eólica, solar, conforme o relatório sobre empregabilidade das indústrias energéticas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Portanto, é um desrespeito ao já sofrido sertanejo alimentar o sonho de que investimentos de bilhões de reais na construção de uma usina nuclear, contribuirá para a melhoria de sua vida.

O povo nordestino já foi enganado, ludibriado, inúmeras vezes com propostas deste naipe, superlativas, megalomaníacas, e não vai se deixar iludir mais uma vez.

O Sertanejo Lamenta, Mas Resiste à Seca


por Juracy Nunes

No meu tempo de menino nascido e vivendo no interior, a crença popular era mais forte do que os escassos ensinamentos técnicos disponíveis à população. A seca e o inverno eram discutidos à luz das “experiências” com observação acurada do comportamento dos animais, da evolução das plantas, da força do vento e até mesmo da posição das nuvens no céu.

A confiança da chegada da chuva até o dia de São José era mantida com fé inabalável. Hoje, segundo os meteorologistas a interação entre seca e chuva é influenciada por diversos fatores dos quais vale destacar a diferença de temperatura superficial entre as águas do Atlântico e do Pacífico, o deslocamento da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), entre outras causas. O homem do campo atual tem essas informações, escuta cuidadosamente os boletins meteorológicos, mas não deixa de valorizar um carrego de formiga ou a localização do enxu de abelhas na várzea ou no terreno de alto sinalizando seca ou inverno. Mesmo com informações técnicas diárias através de vários meios de comunicação, ainda existem resquícios de crença popular transmitida oralmente com alusões a ocorrências de fenômenos naturais. No começo do ano, o trabalhador rural Moacir Romão vaticinou com veemência: “nunca vi era de três boa, e este ano não vai ser diferente de 93, quando aqui não choveu que desce prá passarim beber”

Os prenúncios de continuidade da seca atual, seja por parte dos institutos de meteorologia ou oriundos da sabedoria popular, são desanimadores. Desde o ano passado diz-se que a seca atual no Nordeste é a pior dos últimos 40 anos. A longa estiagem é semelhante a uma doença crônica. Destrói pouco a pouco as reservas naturais, o prejuízo alcança toda biodiversidade do semiárido e não poupa as pessoas habitantes do lugar.

Nesta seca que se arrasta por tempo indeterminado, as consequências vêm sendo diferentes de outras que presenciamos no século passado. Antes, o clamor nas grandes secas era por falta de água e alimento para a população. Via-se no sertão e no agreste de toda região semiárida, gente pedindo esmola, leva de retirantes sem destino, saques, campos de concentração para prender retirantes frentes de emergência, pau-de-arara deixando o Nordeste em busca de sobrevivência. Pouco se falava de mortandade animal, embora as perdas por parte dos criadores fossem maiores do que hoje.

Atualmente, os danos para as pessoas são menos severos. Essa é uma modesta observação pessoal apoiada apenas no conhecimento telúrico que merece ser estudada e debatida com base em conhecimento científico.

No presente, até parece que a população está excluída da adversidade climática. Vemos alguns carros-pipa abastecendo cisternas rurais, pequenas filas de agricultores comprando milho da CONAB subsidiado pelo governo federal e ademais só o lamento do povo ante a caatinga tão seca que parece não resistir à forte insolação. Não se ouve falar em qualquer tipo de perturbação da ordem pública relacionada com a seca.

Diferente do passado, não se vê êxodo rural, nem notícias de menino morrendo a míngua por desidratação e diarreia. Realmente, essas mazelas estão cada vez mais raras. A mídia hoje dedica grandes espaços aos cemitérios de animais. Mas a seca existe, é duradoura, é severa como foram tantas outras do século passado, e chega até ao litoral.

Os mananciais que abastecem a capital pernambucana estão com baixo volume de água acumulada e a cidade já enfrenta racionamento d’água.

E porque o sertanejo resiste?

A resistência atual é fruto de trabalho de mais de 50 anos. Nesse longo período o povo vem se acostumando a vencer obstáculos. As ações de combate ao flagelo das secas começaram nas primeiras décadas do século passado com a criação do DNOCS, que ganhou força com o aparecimento do GTDN – Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste – montado em 1958 por Juscelino Kubitschek dentro do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico), teve seu trabalho concluído por Celso Furtado, culminando na OPERAÇÃO NORDESTE e, consequentemente, na criação da SUDENE.

A SUDENE logo que entrou em operação abriu centenas de poços artesianos pelo sertão adentro retirando a água do subsolo através de cata-ventos. Esta conquista técnica tão simples e tão eficaz proliferou e ainda hoje é utilizada em todo Polígono das Secas.

Governos passados fizeram chegar até homens e mulheres do campo os benefícios da Previdência Social. Já nos últimos anos o Programa de Bolsa Família e outras ações e inclusão social têm aumentado a renda familiar deixando a população mais resistente às intempéries.

,da natalidade, melhores salários no campo e na cidade, diminuição da taxa de analfabetismo, aumento da quantidade e qualidade de escolas, assistência à saúde, moradias de melhor qualidade.

Os investimentos em infraestrutura rural criando estradas, açudagem, utilização em larga escala água do subsolo, eletrificação rural, construção de cisternas e emprego urbano para população jovem, especialmente no setor de serviços, são outras vertentes do desenvolvimento que favorecem a manutenção da emblemática expressão euclidiana, “o sertanejo é antes de tudo um forte”. São conquistas que embora com centenas de anos de atraso estejam sendo incorporadas à população do interior do país melhorando a qualidade de vida, especialmente do homem do campo.

Pode-se dizer que a despeito das intempéries o sertanejo está aprendendo a conviver com a seca sem mendigar e nem dela fugir. 

Juracy Nunes é professor aposentado da UFPE, mora e faz medicina em Monteiro/PB ,- lugar em que nasceu e tem atividade rural de pequeno produtor.