segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A rotina dos “apaguinhos” de energia

Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco


A promessa de que o processo de privatização do setor elétrico, em particular das distribuidoras de energia elétrica favoreceria a concorrência e assim ofereceria melhor qualidade dos serviços e a modicidade nas tarifas, acabou sendo uma enorme decepção para aqueles que nutriram esperanças na transferência da gestão pública para a privada.

Hoje com as distribuidoras 100% privatizadas, a tarifa paga pelo consumidor brasileiro é uma das mais caras do mundo. E a qualidade dos serviços deteriora ano a ano com os sucessivos “blecautes” atingindo vários estados brasileiros, quer por problemas na geração, como também na transmissão da energia. A justificativa das autoridades do setor, que enxergam o consumidor como “bobo da corte”, recaem quase sempre sobre fenômenos naturais (temporal, enchentes ou seca) e/ou falhas humanas. Todavia o problema é mais grave e teve inicio nas mudanças ocorridas em 1995, quando o setor elétrico passou a ser gerido pelas leis de mercado. Hoje a falta de investimentos em novos equipamentos, na qualificação de pessoal, na fiscalização e essencialmente na gestão do sistema nacional integrado são as principais causas das sucessivas interrupções no fornecimento de energia.

Além do problema que tem suas causas na geração e na transmissão, com ampla repercussão na mídia nacional e internacional, têm-se as recorrentes quedas de energia nas cidades atendidas pelas distribuidoras estaduais, penalizando o consumidor. A fiscalização deste serviço é de responsabilidade da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que conveniada com as Agências Reguladoras Estaduais é quem deveriam monitorar a prestação dos serviços das concessionárias estaduais.

A Aneel por sua vez para incentivar a melhoria dos serviços prestados a população, a partir da visão do consumidor residencial, concede anualmente o Premio “Índice Aneel de Satisfação do Consumidor – IASC” para as concessionárias melhores avaliadas. O IASC é o resultado de uma pesquisa amostral realizada diretamente junto ao consumidor abrangendo a área de concessão das 63 distribuidoras do país. Para esta verificação são realizadas entrevistas com um pequeno número de consumidores de cada distribuidora. Este numero de questionários aplicados depende do numero total de consumidores de cada empresa  No caso da Companhia Energética de Pernambuco, para uma clientela em torno de 3 milhões de consumidores, são 450 questionários para todo o Estado (selecionados alguns municípios), incluindo pouco mais de 100 questionários para Recife.

Em 2011 para concessionárias com mercado maior que 1 TWh, a Celpe foi classificada na 4ª posição entre 33 empresas. O que a coloca a níveis de eficiência que a situam entre as melhores distribuidoras de energia do Brasil. Esta classificação deveria possibilitar uma comparação da qualidade dos serviços prestados pelas concessionárias. Mas não é o que acontece. O ranking foi elaborado com base no Indicador de Desempenho Global de Continuidade (DGC), é que permite avaliar o nível da continuidade dos serviços prestados pela distribuidora (valores apurados de duração e freqüência de interrupções) em relação aos limites estabelecidos para a sua área de concessão (limites determinados pelas resoluções autorizativas da Aneel). As distribuidoras são avaliadas em diversos aspectos do fornecimento de energia elétrica através dos indicadores de continuidade como o DIC que é a duração de interrupção individual por unidade consumidora, ou seja, o intervalo de tempo que, no período de apuração, em cada unidade consumidora ocorreu descontinuidade da distribuição de energia elétrica; o FIC, que é a freqüência de interrupção individual por unidade consumidora, logo o número de interrupções ocorridas, no período de apuração, em cada unidade consumidora; e o DMIC é a duração máxima de interrupção contínua por unidade consumidora, ou seja, o tempo máximo de interrupção contínua de energia elétrica, em uma unidade consumidora. 

Os indicadores FIC, DIC e DMIC são estampados na fatura de energia elétrica enviada ao consumidor, em um pequeno quadro “Duração e Freqüência das Interrupções”. São mostrados o valor apurado pela companhia (mensal e trimestral) e os limites máximos autorizados pela Aneel. O que chama a atenção é que os valores apurados pela Celpe são imutáveis. Mesmo tendo o consumidor verificado naquele mês um maior número de interrupções do que o mês anterior, esta situação não modifica os valores apurados e indicados na fatura. Lembrando que na fatura é também informado que o cliente poderá a vir a ser compensado quando há violação em relação aos índices pré-estabelecidos pela Aneel. Todavia a falta de credibilidade dos índices apontados pela companhia é total, e não serve para o consumidor verificar se houve ou não descumprimento na prestação do serviço, e assim poder reivindicar seu direito de consumidor.

O caso de Pernambuco é emblemático, pois é grande a freqüência das interrupções no abastecimento de energia ocorridas não só na capital, como nas cidades interioranas. Já algum tempo a queda de energia nos bairros de Recife e em outras cidades atendidas tornou uma rotina, mas infelizmente estes episódios não têm a visibilidade de um apagão atingindo vários estados brasileiros ao mesmo tempo. Mas que não são menos importantes, pois os chamados “apaguinhos” trazem os mesmos problemas e transtornos. Os jornais, as rádios e os órgãos de defesa do consumidor é quem reverbera as denúncias e a insatisfação do consumidor pernambucano.

A situação atingiu tal nível de insatisfação que até o atual governador, em um momento raro de defesa dos interesses da população, acusou publicamente a empresa de “não gostar de pobre”. Este fato ocorreu na solenidade de lançamento do Programa Chapéu de Palha no município de Afogados da Ingazeira (380 km de Recife), Neste dia, fez sérias acusações a Celpe de não fazer obras para os pobres, acusando-a de boicotar ações contra a seca, atrasando obras dos Governos Federal e Estadual, apesar de ter lucrado em 2011 mais de R$ 400 milhões, e de ter enviado seus lucros para a Espanha. Também criticou a imprensa, por não denunciar a Celpe por ser uma forte anunciante desses veículos. Pura retórica populista.

É bom que se diga, que não é somente com a prestação de serviços elétricos que o cidadão sofre “as duras penas”, mas também com a qualidade dos serviços de água e esgoto, na área de saúde, telefonia, com as companhias aéreas, entre outras. Reclamar a quem? Só se for ao Bispo de Itu, pois as autoridades responsáveis, não estão nem ai. Fazem de conta que o problema não existe. Vivem em outro planeta.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Indenização e tarifas para as usinas da CHESF

Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco

A Portaria no578 do Ministério de Minas e Energia (MME), publicada em 1º de novembro, apresentou a tabela com as novas tarifas para as empresas geradoras de energia com base no valor do custo da Gestão dos Ativos de Geração - GAG. Já a Portaria Interministerial, desta mesma data, do Ministério da Fazenda (MF) e do MME de nº 580, definiu os valores de indenização de geração e de transmissão dos concessionários destes serviços, que optarem por antecipar os efeitos da prorrogação das concessões, conforme dispõe a Medida Provisória (MP) nº 579. Para as usinas hidrelétricas foi considerada para as indenizações o Valor Novo de Reposição - VNR, referenciados a preços de junho de 2012, conforme estudos realizados pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE.

Agora inicia outra etapa, em que as empresas terão até o dia 4 de dezembro para decidir se aceitam ou não as condições impostas. De acordo com o divulgado, a companhia com mais ativos a serem indenizados foi a Chesf, com cinco hidrelétricas, seguidas por Furnas e Cesp, com duas.  A lista conta com 15 ativos não amortizados e depreciados (que correspondem a 20% da eletricidade gerada no Brasil). Ou seja, não foram contempladas pelos cálculos do governo, e não receberão indenização outras 67 hidrelétricas que tiveram seus pedidos de renovação dos contratos de concessão autorizados recentemente pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A soma dos valores a serem pagos as geradoras é de R$ 7,1 bilhões.

De acordo com os cálculos do Governo Federal, a Chesf receberá R$ 5,1 bilhões. Entraram na lista: Xingó (3.162 MW) - com o maior valor de todas as hidrelétricas, de R$ 2,925 bilhões, Paulo Afonso IV (2.462 MW), com R$ 360,472 milhões, Itaparica/Luiz Gonzaga (1.687 MW), com R$ 1,687 bilhões, Moxotó/Apolônio Sales (400 MW), com R$ 84,612 milhões, e Boa Esperança (237,5 MW), com R$ 72,783 milhões. Por sua vez as demonstrações financeiras e relatório da administração de 2011 informam um total de ativos não amortizados da ordem de R$ 14 bilhões de reais. A diferença é de praticamente R$ 9 bilhões que a Chesf perderá, caso aceite a proposta.

Já com relação às tarifas a serem cobradas pelas usinas que totalizam uma potência instalada de 9.212,51 MW, ficou assim: Complexo Paulo Afonso (Moxotó/Aplonio Sales, Paulo Afonso II, Paulo Afonso II e Paulo Afonso IV), a nova tarifa será de R$ 3,41/MWh,  Xingó de R$ 4,06/MWh, Itaparica/Luiz Gonzaga de R$ 4,87/MWh, Boa Esperança de R$ 7,62/MWh, Funil (30 MW) de R$ 11,84/MWh, Araras (4 MW) de R$ 4,44/MWh e Pedra (20,01 MW) de R$ 9,43/MWh. Como os valores da tarifa não foi apresentado em R$/MW, e sim em R$/kWano (invenção dos “especialistas”), em uma análise preliminar convertemos para a unidade usual dividindo os valores iniciais pelo fator 8,76. Cálculos mais definitivos podem apresentar pequenas variações nos valores encontrados em R$/MW, mas certamente não modificarão significativamente o efeito devastador para a receita da empresa destes valores irrisórios encontrados por uma metodologia desconhecida.

Sem a menor dúvida as novas tarifas das geradoras trarão enormes problemas para o equilíbrio financeiro das empresas estatais. No caso da Chesf o atual preço médio da energia cobrado é atualmente de R$ 92,00/MW. Os novos valores médios (calculado simplesmente como a média aritmética) será de R$ 6,52/MWh, portanto uma redução de 93%. Pode-se dizer que o custo da energia não irá baixar, apenas será vendida, como afirma o governo, incluindo os custos regulatórios de operação, manutenção, administração, entre outros, sem remunerar o seu valor. Segundo estudos realizados por técnicos da Chesf o valor mínimo do MWh para a cobertura dos vários encargos da empresa seria de R$ 67,00. O governo calculou e impôs um valor 10 vezes menor.

Pode-se imaginar que a curto prazo, a companhia ficará bem capitalizada pelo volume do ressarcimento, que somado a indenização dos ativos de transmissão de R$ 1,58 bilhões totalizará R$ 6,7 bilhões, que poderá ser sacado a vista ou em parcelas.  Todavia a receita anual via tarifa, obtida pela Chesf e pelas outras geradoras estatais, despencará. A empresa terá praticamente um mês para revisar seus cálculos e decidir se quer ou não renovar os contratos até 31 de outubro de 2042.

O debate agora será no campo legislativo, já que estão marcadas para as próximas semanas as audiências públicas na Comissão Especial da MP nº 579, que trouxe as regras para a renovação das concessões. A bola agora está com o Congresso. Os parlamentares sofrerão a pressão democrática da sociedade organizada, e espera-se que o interesse público prevaleça, ou seja, mantendo fortes as estatais elétricas.