terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Eleição para reitor e o direito a crítica

Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco

No fundo, todo mundo gosta mesmo é de elogios. Todavia no ambiente
acadêmico em particular, a critica é fundamental e é intrínseca ao meio, e
quando não existe é porque alguma coisa esta errada. A crítica instiga à
reflexão e pode conduzir ao aprimoramento pessoal e coletivo.

Uma dos aprendizados mais importantes na formação do individuo envolve a
capacidade de lidar com a crítica e com as opiniões diferentes de forma
saudável e construtiva. Ainda assim, a crítica nunca é agradável e nem
oferece conforto emocional a quem se destina.

Nesse contexto, não chega a ser surpreendente que exista a tentação de
controlar e silenciar as opiniões críticas, principalmente pelos que se
valem do poder do cargo que ocupa. Consta-se que a história está cheia de
exemplos. No nosso país sob regime militar, regras eram impostas pelo
Estado que proibiam opiniões ou que obrigavam a concordar com outras
opiniões.

Como parece inviável erradicar essa tentação da experiência humana, é
preciso, ao menos, controlá-la. Conviver com a crítica, que a liberdade de
expressão exige, impõe o exercício de virtudes importantes para a
democracia. Suportar a crítica é uma forma de manifestar igual respeito e
consideração com o outro, é esta é a condição necessária para o ambiente
acadêmico.

No caso da Universidade são as regras explicitadas no Estatuto que define
os direitos e os deveres da comunidade universitária. Não pode ser o
dirigente máximo da instituição, o reitor, o árbitro que classifica as
idéias em boas e más. Idéias, não se combatem com penalidades, mas com
outras idéias. E a liberdade de expressão, por evidente, existe para
proteger as idéias críticas: o elogio não precisa de proteção.

Na UFPE estamos submetidos a um Estatuto retrógrado, ultrapassado, da
década de 60 do século passado, cuja comunidade formada pelos estudantes,
técnico-administrativos e professores, é tolhida, em sua plenitude a
participar da instituição. Ai está o desafio da construção de um projeto
para a Universidade, colocar a crítica comprometida com as transformações
sociais e científicas de forma mais ampla e profunda. Um compromisso que
passa pela democratização das estruturas de poder da Universidade, em
especial do Conselho Universitário, atualmente estruturado de forma
antidemocrática. Nele não há uma representação real dos estudantes,
técnicos administrativos e professores, não há eleições para a maioria dos
cargos de conselheiro.

E daí a importância de elegermos para próximo reitor, alguém que tenha um
claro posicionamento sobre a necessidade urgente de se compartilhar o
poder. O reitorado que termina no próximo ano NÃO CUMPRIU com as promessas
feitas, a de promover uma mudança nos estatutos. Foi promessa de campanha
da primeira gestão e da segunda gestão.

Daí, esperamos que na eleição para reitor que acontecerá no próximo
semestre de 2011, tenhamos a oportunidade para discutirmos as diferenças
de idéias entre os candidatos e os compromissos com a democratização da
UFPE. Os que estiveram administrando a Universidade perderam esta
oportunidade. Agora que dêem lugar para uma NOVA UFPE, para uma UFPE VIVA.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

DISCURSO PROFERIDO NA COLAÇÃO DE GRAU DOS CURSOS DE HISTÓRIA, GEOGRAFIA, FILOSOFIA, CIÊNCIAS SOCIAIS, PSICOLOGIA DO CFCH DA UFPE TURMAS 2009.2

Magnífico Reitor, Prof. Amaro Lins
Diretora do CFCH, Profa. Socorro Ferraz
Vice-Diretora do CFCH, Profa. Lucinda Macedo
Srs e Sras. Chefes de Departamento e Coordenadores de Curso de graduação do CFCH
Srs e Sras. Patronos, Professores Paraninfos e homenageados das turmas dos cursos de graduação do CFCH
Prezados estudantes concluintes das turmas dos cursos de graduação do CFCH
Srs país, parentes e convidados
Minhas senhoras, meus senhores

Foi com grande alegria que recebi da Turma de concluintes do curso de História, 2009.2, esta homenagem que, de pronto, compartilho com todos os colegas docentes que atuaram para a formação daqueles/as a quem o Magnífico Reitor confere, hoje, o grau de licenciado/a e de bacharel em História pela UFPE.

No bem composto comunicado da homenagem que me foi concedida, encontrei grafada a sugestiva expressão: Tempus fugit. Para uma turma de concluintes de um curso de História, a escolha foi muito feliz. Estudiosos do tempo que são, estudantes que se preparam para servir a sociedade como historiadores ou professores de história aprendem, desde cedo, a render homenagem ao “deus” tempo, e tendo de conhecer as diversas problemáticas que envolvem os acontecimentos históricos, defrontarem-se com o debate e os desafios da construção dos conhecimentos historicamente acumulados sobre o tempo. Aprendem assim que, junto ao seu par, o espaço, o tempo é um conceito estruturante dessa área do conhecimento humano e nos permite situar o fazer histórico, constituindo-se em um dos seus marcos fundamentais. Aprendem, ainda, que o tempo não é uno, nem linear. O tempo é múltiplo e comporta simultaneidades. Compreendem então que, para além do tempo histórico, há tempos a mã cheia para muitos gostos, significados e sentidos. O tempo alude a uma realidade material, mas comporta também uma dimensão simbólica que homens e mulheres criam. Enquanto uma criação humana, há o tempo cósmico que se conta por anos-luz, há o tempo geológico que se mede por milhões de anos e há também o tempo histórico que se afere por séculos, décadas e datas. O tempo que se conta, que se mede, que se afere é o tempo cronológico, essa fantástica criação do mundo da quantificação do real que possibilitou satisfazer nosso desejo, nunca satisfeito, de tentar exercer o controle sobre a realidade que nos concerne por meio da fabricação de referências que atendem pelos nomes de anos-luz, milênio, século, ano, dia, hora, minuto, segundo....,

A contrapelo do rigor de uma métrica que a tecnologia e ciência refinam a cada momento, falamos também em tempo da existência, tempo da alegria, tempo da dor. Noções que aludem a experiências muito distintas e de distintos significados. Costumamos dizer que um fato que nos causa dor tende a ser sentido como de maior duração que um que cause alegria. O significado subverte o rigor da métrica e irrompe soberano, dizendo-nos que o tempo medido, por vezes, de nada vale diante do tempo sentido. Tempo que se mede e tempo que se sente. Tempo que se quer controlar e tempo rebelde que não se submete. Tempo que foge, tempo que escapa. Tempus fugit. Aí talvez esteja o significado da expressão latina que nomeia a turma que me homenageia. A expressão aludiria, portanto, à relação do homem, da mulher com o tempo, podendo significar que, sendo um dado humano, é expressão de uma experiência singular, de modo que, só vagamente, exercemos controle sobre o tempo, porque tempo é humanamente soberano.

Mas, afinal, que tempo é esse que vivemos? Permitam-me falar de como o vejo, falar do que ele descortina, do que ele comporta. Para isso, quero dizer logo do lugar que falo. Falo como um professor que há 32 anos, completados no próximo primeiro de abril, contribui para formar professores nesta universidade. Falo, portanto, do lugar social de uma instituição de referência para o sistema de educação superior e, em especial, para a formação de profissionais para o magistério da educação básica, com todas as responsabilidades que essa condição inspira. E não são poucas...

Permitam-me debulhar a narrativa.

Depois de anos bicudos, anos que o dramaturgo Bertolt Brecht chamaria de um “tempo sem sol”, as universidades públicas federais entraram nesta última quadra da primeira década dos anos 2000 num tempo de esperança. Passaram a conhecer um processo de expansão e reestruturação tão importante quanto aquele infeliz e tristemente imposto no final dos anos 60 do século passado. Dentro de alguns anos, o efeito distanciamento nos permitirá perceber a grandeza do que foi feito e vem sendo feito pela educação superior pública nos anos que correm. Criam-se campus, cursos, currículos novos. Expandem-se cursos já existentes e atualizam-se percursos formativos de modo a torná-los mais afeitos aos desafios da contemporaneidade. Abrem-se oportunidades para segmentos sociais, regiões e localidades antes excluídos do direito social básico da educação de qualidade. Desenvolvem-se talentos pelas mãos de docentes e técnico-administrativos, todos servidores públicos de IES federais, deixando à mostra a capacidade que tem o Estado, quando há vontade política, para responder, com qualidade social, às necessidades da sociedade e aos ditames da inclusão. Não seria demasiado dizer que as recentes medidas de políticas educacionais relativas à educação superior pública contrastam com o equívoco histórico e político praticado por forças sociais, tristes e mesquinhas forças sociais, que sistemática e didaticamente afirmaram, por mais duas décadas, a necessidade de diminuição do tamanho do Estado e a demonização dos servidores públicos, cantando a plenos pulmões e aos sete ventos as excelências do sacro santo Mercado. Erigido como paradigma da nova ordem social, esses tempos de desconstrução do Estado do Bem Estar Social e de hegemonia do indivíduo, da selvagem competição e da supremacia dos ditos mais capazes legaram, de um lado, o desapreço pelo trabalho produtivo em favor da acumulação de capital financeiro, obtida em jogatinas realizadas através de papéis que trafegam nas infoways das Tecnologias da Informação e Comunicação. Legaram, por outro lado, a dor, o sofrimento, a fome, o analfabetismo e o crescimento da Aids no continente africano. Quem semeia ventos antisolidários colhe Desesperança.

A mais recente crise mundial revelou o tamanho do equívoco, mas também a esperteza dessas mesmas forças sociais neoliberais que dirigiam o planeta quando ele quase capotou. A saída de emergência tomada foi chamar de volta o Estado, reivindicando, de pronto, o desembolso de gordas somas da poupança nacional. Doce ironia: os aiatolás do Mercado curvaram-se ao Santo Estado e, ante a sua ação estabilizadora, passaram a dizer amém! Doce ironia, estratégica ironia!

O Brasil, que já chamara o Estado de volta alguns anos antes, pode navegar em águas tão turbulentas de forma mais segura e parece fazer a travessia de modo menos traumático.

O novo impulso dado às IFES surge nesse contexto, num contexto de retomada do papel do Estado brasileiro na formulação de políticas sociais. A expansão e reestruturação de que falamos antes é um capítulo da retomada da capacidade do Estado brasileiro de realizar investimentos sociais que venham a atender às demandas da sociedade. Tais ações explicariam o novo horizonte que se coloca para nossas instituições universitárias federais e o clima de esperança que toma conta de um bom número de docentes, técnico-administrativos e estudantes. Estamos em um novo tempo e isto não pode ser visto como mero exercício de retórica, mas narrativa de coisa feita e se fazendo.

Depois de duas décadas de desesperança, abrem-se portas e janelas, descortinam-se caminhos novos, frutos de tanta luta, de tanto suor, de tanto pensar, de tanta ação solidária.

O esforço feito até aqui é, porém, insuficiente para o tamanho do desafio que temos que enfrentar para incluir jovens no ensino superior. Os últimos levantamentos apontam que o atendimento por IES a brasileiros entre 17 e 25 anos não passa de meros 13,9%. Muito longe, portanto, do que pretendeu realizar o Plano Nacional de Educação, aprovado em 2001, que apontou como meta ampliar o atendimento até alcançar a 30% dessa mesma faixa etária. Tal realidade só faz confirmar a tese sustentada por diversos cientistas sociais que afirmam o quanto as estruturas desse país são capazes de produzir injustiça, desigualdade e exclusão.

Triste realidade, desafiante realidade. Tamanho desafio fez com que as IFES, reunidas em fevereiro deste ano, aprovassem proposição para o novo PNE, discutida na CONAE 2010, no final do mês de março, de um atendimento de até 40%, com a duplicação dos atuais investimentos públicos na Educação Superior.

E por ser desafiante e esperançosa, essa meta repõe sobre a mesa a temática do tempo com a qual abri a oração nessa noite.

Em horas assim, serve-nos o poeta, esse porta voz da alma humana, esse ser capaz de dizer melhor que muitos sobre a pergunta que não quer calar: que tempo é esse?

Escolho um polêmico poeta baiano, para dizer com ele:

És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo tempo tempo tempo
Vou te fazer um pedido

Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo tempo tempo tempo
Compositor de destinos
Tambor de todos os rítmos
Tempo tempo tempo tempo
Entro num acordo contigo

Acordado então está!
Muito obrigado.


Prof. José Batista Neto
Diretor do Centro de Educação/UFPE

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Energia nuclear é uma boa solução para o Brasil (Nordeste)?

Heitor Scalambrini Costa *
Professor Associado da Universidade Federal de Pernambuco


Para responder a questão se “a energia nuclear é uma boa solução para o Brasil (Nordeste)?”, caberia discutir se essa alternativa de geração de energia elétrica é econômica, segura e ambientalmente limpa. Esse debate é que temos que fazer com a sociedade.

Minha resposta é fácil: NÃO, pelas seguintes razões expostas.

Sobre a economicidade dessas usinas núcleo-elétricas, segundo os estudos da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), o custo da eletricidade nuclear de Angra 3 ficará em torno de R$ 138/MWh, abaixo dos custos de
termoelétricas a gás e carvão importado, e abaixo dos custos da eletricidade eólica (R$ 240) e solar (R$ 1.798). Ainda sobre Angra 3 a Eletronuclear informa que o empreendimento custará R$ 7,2 bilhões, sendo que 70% do financiamento virão de recursos do BNDES e fontes estatais, e os outros 30% de investidores internacionais.

As condições de financiamento são controversas, já que a Eletronuclear assumiu uma taxa de retorno para o investimento entre 8% e 10% - muito abaixo das praticadas pelo mercado, que variam de 12% a 18%. Somente uma
taxa de retorno tão baixa pode viabilizar a tarifa de R$ 138 MW/h anunciada pelo governo federal para essa usina. A operação a baixas taxas de juros revela o subsídio estatal à construção de Angra 3, uma vez que o investimento público não será integralmente recuperado. Estudos têm mostrado que somados juros e financiamento, Angra 3 não sairá por menos de R$ 9,5 bilhões, sem contar R$ 1,5 bilhão gastos até agora. Os subsídios governamentais ocultos no projeto dessa usina nuclear são perversos, porque serão disfarçados nas contas de luz. Se isso se verificar quem vai pagar a conta seremos nós os usuários, que já pagamos uma das mais altas tarifas de energia elétrica do mundo. Também é contestado o prazo de 66 meses estipulado pelo Ministério das Minas e Energia (MME) para a entrada em operação da usina.

O governo fez uma estimativa de 30% de progresso já existente em sua construção. Ainda assim, os 70% restantes consumiriam em média pelo menos mais 96 meses, segundo estimativas. A título de comparação de custos, a energia da hidrelétrica de Santo Antônio, foi negociada a uma tarifa de R$ 79/MWh, a hidrelétrica de Jirau, o preço foi de R$ 91/MWh (ambas no Rio Madeira), e o resultado do primeiro leilão de energia eólica no Brasil deixaram o MWh em torno de R$ 148. Bem mais reduzido que o apontado pela EPE para justificar a suposta
viabilidade econômica da opção nuclear. Utilizando os R$ 7,2 bilhões alocados para Angra 3, seria possível construir um parque eólico com o dobro da capacidade da usina nuclear (1.350 MW) em apenas dois anos sem lixo radioativo ou risco de acidentes. E também, em termos prioritários de como utilizar esse “dinheirão”, dados do Procel (Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica), mostram que cada R$ 1 bilhão empregado em programas de eficiência energética resulta em uma economia na potência instalada de 7.400 MW, o equivalente a 5,5 vezes a potência de Angra 3 ou a metade de Itaipu. Logo, se uma usina nuclear custa mais de R$ 7 bilhões, pode-se concluir que cada R$ 1 bilhão investido em eficiência pode evitar investimentos de até R$ 40 bilhões para gerar a mesma quantidade de eletricidade nuclear. Portanto construir usinas nucleares no Brasil só será possível por meio de um verdadeiro saque aos cofres públicos. E, podemos considerar que a médio e longo prazo, o desvio de recursos públicos para a opção nuclear será um verdadeiro obstáculo ao estabelecimento de políticas de incentivo e promoção de energias renováveis no país.

Quanto à questão da segurança, apesar dos renovados esforços da indústria nuclear em apresentar-se como segura, acidentes em instalações nucleares em diversos países continuam a demonstrar que esta tecnologia é perigosa, oferecendo constantes riscos que podem trazer conseqüências catastróficas ao meio ambiente e à humanidade. O exemplo mais recente foi o acidente pós-terremoto em julho de 2007 (6,8 na escala Richter) na maior usina atômica do mundo, localizada em Kashiwazaki-Kariwa, no Japão, que provocou, além do vazamento para o mar, a emissão de gás radioativo para a atmosfera.

Não podemos esquecer também dos incidentes graves com reatores: Chernobyl (Ucrânia) e Three Milles Island (EUA). O primeiro ocorreu em abril/1986, com a explosão de um dos reatores possibilitando que uma nuvem radioativa cobrisse todo o centro-sul europeu. E em Three Milles Island em março/1979, que provocou grande extensão de danos, mas sem vítima nem vazamento de radiação para o ambiente. Acidentes em uma usina nuclear tem baixa probabilidade de ocorrência, mas quando ocorrem são de extrema gravidade em termos tanto dos impactos sobre a saúde humana quanto ao meio ambiente.

Do ponto de vista ambiental, afirmar que as centrais nucleares são “limpas” quanto à emissão de gases estufa é uma desinformação imensa, sobre a tecnologia dessas centrais e sobre as condições em que funcionam as etapas da cadeia de obtenção e de processamento do combustível que alimenta as usinas. Em operação rotineira, as centrais nucleares pouco agridem o meio ambiente, porém expõem a sociedade ao risco de acidentes que liberam na biosfera produtos de fissão de alta atividade, que podem trazer conseqüências catastróficas. Embora pequeno tal risco, existe, e não pode ser negligenciado. Ademais, essas usinas não resolveram o problema dos rejeitos de alta atividade, cuja deposição final demanda pesados investimentos. Estima-se que estes rejeitos tenham que ficar isolados durante 10 mil anos.

Os defensores desta tecnologia não incorporam em seus cálculos de emissões de gases estufa, o processo completo da produção da eletricidade, o chamado ciclo do combustível nuclear. Pois, se consideramos a mineração do urânio, o transporte, o enriquecimento, a posterior desmontagem da central e o processamento e confinamento dos rejeitos radioativos, esta opção produz entre 30 e 60 gramas de CO2 por kWh gerado, segundo dados da Agência Internacional de Energia Atômica. O cálculo que faz o Oxford Research Group chega a 113 gramas de CO2 por kWh. Isso é aproximadamente o que produz uma central a gás. No caso do enriquecimento para obtenção do combustível nuclear, os minérios que contém o metal pesado Urânio são complicadíssimos de serem "beneficiados", produzindo gases estufa em todas as etapas. Para obter o Urânio enriquecido que interessa aos reatores (3% enriquecido do isótopo 235), teríamos que rejeitar 970 kg de materiais para cada 30 kg de urânio físsil obtido. Para isso, se gasta uma enormidade de energia, inclusive na forma de vapor de água e de eletricidade produzida em termoelétricas convencionais - grandes produtoras de CO2, de vapor de H2O e de gases nitrogenados, e em hidroelétricas. Portanto, aqui também tem um mito, um afã de descartar, cortar e mostrar uma parcialidade da realidade desta energia. Também, o uso de água na tecnologia nuclear é alto. Então, a análise deve considerar a quantidade de energia que colocamos de antemão para produzir a energia elétrica. É importante não omitir esses dados no debate sobre as soluções ao desafio energético do país.

E aí cabe mais uma mentira: a de que hidroelétrica não emite gás estufa. Basta pensar que as represas, sobretudo em regiões quentes e áridas ou semi-áridas evaporam muito, e de novo teremos o vapor H20, e também o gás metano emanado da decomposição de matéria orgânica, nas represas que cobriram muita vegetação e camada de húmus. A insistência em considerar a eletricidade nuclear como uma “fonte limpa” é tão grave quanto considerar a hidroelétrica em geral como renovável e não “poluidora”.

Além das questões econômicas, de segurança e ambientais, existem questões éticas que não se deve deixar para as futuras gerações a resolução de problemas da época presente. E isso está ocorrendo com os depósitos (ainda relativamente pequenos) de rejeitos de alta radioatividade (lixo atômico) que permanecem em piscinas nas proximidades dos reatores. Além de que a construção de novas usinas nucleares é sempre uma porta aberta para a
possibilidade de produzir artefatos nucleares para fins militares, e para o uso não pacífico dessa tecnologia.

O que a sociedade brasileira condena e não aceita mais é a falta de transparência sobre as escolha das opções energéticas, impedindo que tenha informações, e se manifeste, sobre como e onde seu dinheiro está sendo investido. Os custos econômicos, ambientais e sociais de usinas nucleares no Brasil (Nordeste) são altíssimos, e nada pode explicar tanta insistência com projetos tão desnecessários para o país e tão ineficaz em
termos de geração de energia elétrica.

O debate energético atual se baseia em um modelo “ofertista” com recursos fósseis, com mega-hidroelétricas e com usinas nucleares. Ele precisa e deve ser substituído por um projeto diferente, contemporâneo dos desafios
e possibilidades do século XXI, para que tenhamos segurança energética em longo prazo, com a diversificação e a complementaridade da matriz energética nacional, e com fontes renováveis de energia, levando assim em conta, um modelo de desenvolvimento sustentável.

_________________________________________________________________________________________________
* Graduado em Física pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP/SP),
Mestrado em Ciências e Tecnologias Nucleares na Universidade Federal de
Pernambuco e Doutorado em Energética na Universidade de
Marselha/Comissariado de Energia Atômica-França.