Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco
Professor da Universidade Federal de Pernambuco
Vivemos nos últimos anos sob a tacanha do pensamento hegemônico, o do neoliberalismo. Aos governos, na visão neoliberal, cabe criar e preservar certas condições que permitam ao mercado operar. É o capitalismo financeiro determinante dos fluxos de dinheiro, dos lucros obtidos, dos problemas econômicos criados, das crises nos países. O mercado decide, o mercado determina. É a chamada globalização financeira.
Decorrente da atual política neoliberal o mundo só conseguiu produzir menores taxas de crescimento, maior desigualdade social e crises recorrentes, e que culminaram com os graves problemas enfrentados na atualidade: a recessão-depressão econômica, a insegurança energética e alimentar e o aquecimento global. E agora, uma conjuntura de desemprego e ampliação da miséria. Dados da A OIT (Organização Internacional do Trabalho) indicam novos 50 milhões de desempregados em 2009, principalmente mulheres e crianças, o que eleva o número de desempregados para até 340 milhões de pessoas no mundo.
A crise atual, portanto, não é apenas financeira, trata-se de uma crise profunda que põe em cheque a forma de produzir, comercializar e consumir. O modo de ser humano. Uma crise de valores.
Ao longo dos últimos anos os governos adotaram as receitas neoliberais ditadas por organizações dirigidas pelos paises centrais, como a OMC, o Banco Mundial e o FMI, no âmbito dos programas de ajustamento estrutural e de redução da pobreza. Em nome da luta contra a pobreza, estas instituições convenceram os governos a executarem políticas que reproduziram e aumentaram a pobreza.
Os ideólogos do neoliberalismo, da desregulação da economia, do Estado mínimo e do laissez-faire dos mercados mentiram para toda a humanidade, prometendo-lhe o melhor dos mundos. Sem essa via não existiam alternativas, diziam. Tudo isso foi agora desmascarado com a explosão mundial da crise econômica e financeira em 2007-2008, mostrando o quanto interligadas estão as economias do planeta.
Parece-nos absolutamente óbvio que foram as políticas dos paises ricos-G8, impostas aos países do Sul, as responsáveis pelo fracasso na tentativa de reduzir à metade a proporção de famintos no mundo até 2015, em correspondência com as Metas do Milênio. Não podemos deixar de lembrar que são os camponeses/as que representam cerca da metade da população ativa do mundo, é que são os primeiros a serem afetados pela fome e pela desnutrição.
Todavia os paises ricos continuam falhando em não reconhecer o papel dos produtores de alimentos do mundo, os agricultores e agricultoras familiares, e em não definirem estratégias e políticas agrícolas que possam aliviar a crise que atinge as áreas rurais. As políticas atualmente adotadas têm causado efeitos catastróficos na agricultura camponesa, pois liberaliza os mercados agrícolas e privatiza os recursos naturais.
O que se espera como política agrícola é que sejam os povos e os países que definam e protejam seus próprios sistemas agrícolas, sem afetar negativamente os demais. Lutamos é para transformar o modelo agro-exportador no Norte e no Sul, em outro baseado na produção local sustentável, baseado na agricultura familiar.
Sou daqueles que atribui boa parte dos atuais problemas à atividade humana. O que levou nosso planeta a uma situação tal, que poderá (se nada for feito), provocar uma alteração irreversível no clima com conseqüências físicas, econômicas e sociais catastróficas para todos os países foi:
- os atuais processos de produção e consumo orientadores do sistema de desenvolvimento dominante,
- e a idéia de progresso como sinônimo de crescimento econômico.
Todavia há aqueles ainda, que dizem que nunca antes na história da humanidade tantos viveram com tanta fartura, com tanta longevidade, com tanto conforto e com tantas opções para consumo. Dizem ainda, que foi vitorioso o atual modelo econômico iniciado com a Revolução Industrial.
Bem podemos afirmar que em cerca de 200 anos de predominância do capitalismo, o balanço é excelente, se considerarmos a qualidade de vida dos 20% da população mundial que vive nos paises ricos do hemisfério Norte. E os restantes 80%? Excelente também para os bancos e grandes empresas.
Contudo, estes privilegiados são poucos em relação aos mais de 6,5 bilhões de seres humanos que habitam a Terra. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a FAO, mais de 4 bilhões de pessoas vivem hoje abaixo da linha da pobreza com menos de 1 dólar por dia, dos quais 1,3 bilhões de pessoas abaixo da linha da miséria, e 950 milhões sofrem desnutrição crônica. Também, mais de um terço da população urbana mundial mora em favelas.
A Organização das Nações Unidas (ONU) alertou que a crise econômica mundial piorará ainda mais a situação dos países mais pobres, agravando os problemas da fome, da desnutrição e da pobreza. Segundo dados divulgados pela própria ONU, enquanto os países pobres receberam, em meio século, cerca de US$ 2 bilhões em doações de países ricos, bancos e outras instituições financeiras ganharam, em apenas um ano, US$ 18 bilhões em ajuda pública, ou seja, o setor financeiro internacional recebeu, apenas em 2008, quase dez vezes mais recursos públicos do que todos os países pobres do planeta nos últimos cinqüenta anos.
Logo, o desafio consiste em uma mudança de paradigma, em construir um novo modelo econômico e social a serviço de um novo modelo democrático que traga toda a humanidade a um padrão de vida digno, com acesso à alimentação adequada, a saúde, a educação e oportunidades de trabalho. Visto que, para continuar o crescimento da produção e do consumo atuais, como é proposto pelo modelo vigente, precisaríamos de mais de um planeta Terra, pois hoje já são consumidos recursos naturais a uma taxa 30% maior do que a Terra tem condições de repor.
Aqui reside o limite do capital: o limite da Terra.
No nosso país, a situação não é muito diferente do que ocorre em outros paises. Repete-se, ano após ano, governo após governo a ladainha daqueles que chega ao poder, e que é repetido aos quatro cantos. Que o seu governo é maravilhoso e o de seu antecessor foi o pior do mundo.
É aquele excesso de otimismo habitual de quem esta dentro e acha que faz o máximo tentando passar a sensação de realmente estarem mudando o país. Assim, só é otimista quem precisa, por dever de oficio animar o auditório.
Contrariamente aos que chegaram lá, o povo - desempregados, motoristas, garçons, professores, ..... - constatam que a política econômica é continuista, com o desemprego aumentando, a renda diminuindo e a falta de crescimento. A área social continua não sendo prioritária – ações são baseadas em propaganda e marketing. Enfim, que nada é novo.
No Brasil, caracterizado pela enorme injustiça e desigualdade social, com uma obscena distribuição de renda, a política atual do governo Lula, não diferente dos seus antecessores, mostrou-se ortodoxa, privilegiando a manutenção do “satus quo”. Investe num modelo econômico neoliberal, e é incapaz de perceber a amplitude da crise ecológica, e reforça o modo de produção produtivista colocando, um pouquinho da cor verde sem, de forma alguma, adotar as medidas radicais que se impõem.
No país, constatamos que as reformas ocorridas nos últimos 40 anos foram um fracasso estrondoso, para a ampla população brasileira. Melhoras individuais chegaram a ocorrer. Ainda assim, foram atropeladas e varridas pela expansão impiedosa do sistema e pelo caráter caótico de sua produção.
Após chegar lá, com o discurso da mudança, gerando grandes expectativas e esperanças, tentam passar a idéia de estarem realizando a política do possível, que inclui medidas de sacrifício a todos. Todavia deixaram intocáveis os lucros dos banqueiros, das multinacionais, dos grandes empresários, dos especuladores e dos agiotas.
O governo Lula, sem dúvida, faz parte daquela esquerda social democrata que se adaptou ao capitalismo.
A conjugação das crises (a alimentar, a energética, a recessão/depressão econômica e a ambiental) levou aos impasses que ora vivemos, no mundo e no Brasil em particular, mostrando a necessidade de libertarmos da sociedade capitalista e do seu modelo produtivo consumista.
A ligação entre as crises põe em evidência a necessidade de um programa anti-capitalista e revolucionário em escala planetária, que deve incluir uma dimensão feminista, ecologista, internacionalista e anti-racista. É preciso que estas diferentes dimensões sejam integradas de maneira coerente no que está em jogo no socialismo do século XXI. A humanidade não poderá contentar-se com meias medidas. É preciso arrancar o mal pela raiz.
A direção a ser tomada para encontrar as soluções, deve ser no sentido em que elas sejam favoráveis aos povos e à natureza. O que está em jogo, é a disposição das sociedades em reduzir e alterar drasticamente a forma de consumo, redefinir o modelo de produção e a idéia mesmo de desenvolvimento; e, em passar a medir o êxito de um país por seus indicadores sociais e ambientais, e não mais apenas por sua riqueza financeira.
Às barbaridades do último século – cem anos de guerra, de pilhagem imperialista e de genocídio – o capitalismo acrescentou novos horrores: é totalmente possível que o ar que respiramos e a água que bebemos fiquem permanentemente envenenados e que o aquecimento global torne inabitável grande parte do mundo.
Portanto, o desafio que se coloca neste início do século XXI é nada menos do que mudar o curso da civilização. É preciso construir uma nova ordem internacional, que respeite a soberania dos povos e das nações. Deslocar, num curto espaço de tempo, o eixo da lógica “viver é produzir sem fim e consumir o mais que pode” que leva a acumulação, para uma lógica em função do bem estar social, do exercício da liberdade e da cooperação entre os povos.
Este a meu ver é nosso grande desafio.
A destruição da natureza não é uma característica acidental do capitalismo: está embutida no DNA do sistema. A necessidade insaciável de aumentar os lucros não pode ser eliminada por reformas. Do mesmo modo que uma pessoa não pode sobreviver sem respirar, o capitalismo não pode existir sem o crescimento contínuo.
Sua única medida de crescimento é quanto é vendido a cada dia, a cada semana, a cada ano – incluindo vastas quantidades de produtos que são diretamente nocivos para os seres humanos e para a natureza, mercadorias que não podem ser produzidas sem espalhar doenças, destruir as florestas que produzem o oxigênio que respiramos, devastar os ecossistemas e tratar nossa água e ar como esgotos para a disposição de lixo industrial.
O que se verifica na atualidade é que este mesmo sistema que impõe a crise ambiental também estabeleça os termos deste debate. Pois o capital comanda os meios de produção do conhecimento, tanto como a produção do carbono atmosférico.
Por isso, seus políticos, burocratas, economistas e professores apresentam um infindável número de propostas, todas elas variações sobre o tema de que os danos ecológicos mundiais podem ser reparados sem perturbações no livre mercado e no sistema de acumulação que comanda a economia mundial.
Muitos acreditam que o mercado pode ser o responsável pela implantação de um modelo de desenvolvimento sustentável e que, com o decorrer do tempo e o surgimento de novas tecnologias, os problemas ambientais poderiam ser sanados e superados, resultando em melhorias no bem-estar social ou mesmo na diminuição das desigualdades sociais.
Mas, as desigualdades sociais e o modo de produção atual são os principais obstáculos para atingir uma forma de desenvolvimento capaz de preservar o meio ambiente e, ao mesmo tempo, proporcionar melhores condições de vida aos excluídos. Um modelo sustentável só será possível a partir da mudança dos modos de produção e de consumo da sociedade.
É a lógica capitalista, baseada na acumulação do capital, no consumismo, no militarismo, que está levando o nosso planeta – e os seres vivos que o habitam – a uma situação catastrófica do ponto de vista do meio ambiente, das condições de sobrevivência da vida humana e da vida em geral.
A questão central é: como vamos mudar o sistema de produção? Na medida em que se muda a produção, se mudará o consumo. A produção comanda e obriga o consumo. Se há preocupação em mudar a questão ambiental, tem que se pensar em mudar o sistema de produção, o modelo atual da civilização ocidental e oriental também industrializada, que converte cada indivíduo em consumidor e cada vez mais consumidor de quinquilharias para fazer girar a roda da produção e do lucro: a acumulação de capitais.
Um fato que pode dar uma indicação deste fracasso, de resolver através do mercado as emissões de carbono, foi que nos quatro primeiros anos do século 21, as emissões globais de carbono foram quase três vezes maiores, do que as dos anos 1990, apesar do surgimento do Protocolo de Quioto em 1997.
Os capitalistas não estão sendo obrigados a reduzir suas emissões de carbono, mas, na verdade, estão pagando para fazer isso e, desse modo, são autorizados a usar seu poder sobre o dinheiro para controlar o mercado de carbono para seus próprios fins.
Há quem diga que um pesado imposto será cobrado das gerações futuras. Essa visão aumenta em muito a nossa responsabilidade. É fundamental que outras formas de relação do ser humano com a natureza sejam assumidas e que novas tecnologias, de alta eficiência na utilização de recursos naturais e com mínimos impactos ambientais sejam desenvolvidas e adotadas em larga escala.
Precisamos sim valorizar aspectos relativos às questões que sempre foram colocadas pelo ser humano: que sentido tem a vida e o universo, qual é o nosso lugar? Portanto, há que se ouvir mais os pensadores e os que ainda amam a vida e cuidam da Terra, do que os governos, os economistas, entre outros.
Somente uma mudança profunda na própria natureza da civilização pode salvar a humanidade das conseqüências catastróficas da mudança climática. É preciso deter e reverter esse processo desastroso, lutando para impor todo limite possível ao ecocídio capitalista, e para criar uma mobilização internacional que possa substituir o capitalismo por uma sociedade em que a propriedade comum dos meios de produção substitua a propriedade capitalista e em que a preservação e a restauração dos ecossistemas sejam uma parte fundamental de toda atividade humana.
Do ponto de vista do eco-socialismo devemos fazer uma critica tanto da ‘ecologia pelo mercado’, que não desafia o capitalismo, como do ‘socialismo produtivista’, que ignora os limites naturais da Terra.
Devemos caminhar para uma nova sociedade, baseada na racionalidade ecológica, no controle democrático, na igualdade social e na predominância do valor-de-uso sobre o valor-de-troca. A possibilidade de construir uma proposta mais radical que leve ao fim do capitalismo, implica em profundas mobilizações sociais para recolocar em pauta um verdadeiro processo revolucionário.