Prof. Dr. Antonio Torres Montenegro.
Departamento de História da UFPE.
A foto publicada na imprensa de Pernambuco no sábado, dia 16 de abril de 2009, na página 4 do caderno “cidades”, apresenta o protesto dos professores da rede estadual queimando os diários de classe. Segundo os professores, esses diários são impossíveis de serem preenchidos porque, com a quantidade de alunos que atendem, é humanamente impraticável traçar “a evolução do aprendizado de cada aluno”. Do meu ponto de vista, este protesto revela apenas a ponta do iceberg do grande problema social, político, cultural e econômico que é a educação pública em Pernambuco e no Brasil.
Quando no final do ano passado, o projeto do Piso Salarial Nacional para Professores de R$ 950.00 (novecentos e cinqüenta reais) do senador do PDT Cristóvão Buarque foi aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente Lula, o JC fez uma reportagem sobre o tema. Na oportunidade, colheu o depoimento de diversos professores, e alguns afirmaram que era um avanço, mas que realmente não mudava as condições de vida e trabalho da categoria. No entanto, se tendo a concordar inteiramente com estes professores, muito mais grave e complexa é a questão quando muitos governadores e prefeitos declaram em seguida que não têm recursos para cumprir a lei recém aprovada.
Dessa forma, a gravidade do problema que já se coloca como de grandes dimensões, mesmo com o salário de R$ 950 reais por uma jornada de 200 horas mensais – pois a hora trabalho não alcança R$ 5 reais –, surpreendente é saber que muitos gestores afirmam não terem esses recursos. Em Pernambuco, cujo governador assumiu o compromisso de pagar o referido piso nacional, há dezenas de professores em contratos temporários que recebem a metade desse valor, além de nenhuma garantia trabalhista.
Duas histórias, que passo a relatar revelam ou acentuam o lugar social que a sociedade construiu para a educação pública. A primeira história é a de Mozar Arruda que lava carros no estacionamento do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFPE. Relata-me que, em geral, cobra R$ 6 reais por lavagem e R$ 10 reais por lavagem com cera. Por dia, sua média são 10 carros, ou seja, ganha diariamente entre R$ 60 e R$ 80 reais. Tirando os finais de semana e os feriados, Mozar Arruda trabalha em média 20 dias por mês e sua renda com lavagem de carros oscila entre R$ 1.000, mil reais e R$ 1.400, um mil e quatrocentos reais. A segunda história é a de Márcio Ananias, que concluiu seu mestrado em história na UFPE. Durante o período do mestrado (24 meses) teve direito a uma bolsa do CNPq no valor de R$ 940 reais, para se dedicar integralmente a sua formação como historiador. Concluído o mestrado submeteu-se ao concurso de professor no estado e foi aprovado. Assinou um contrato de 150 horas mensais. Dessa forma, de segunda a quinta-feira tem todas as tardes ocupadas, com 5 aulas, e na sexta-feira duas aulas. Como leciona em diversas turmas de 5ª, 6ª,7ª e 8ª séries, cada uma com média de 40 alunos, tem no total 292 alunos. Como é um rapaz jovem, ainda sem família formada, utiliza as manhãs para corrigir os trabalhos dos alunos. No entanto, mesmo ocupando todas as manhãs, afirma que não consegue toda semana passar trabalhos e corrigí-los como gostaria para ter um acompanhamento efetivo dos seus alunos. Por outro lado, o que torna a situação muito grave e talvez insolúvel é – fato conhecido por todos – que existem alunos que são completamente analfabetos, ou seja, são promovidos às séries seguintes, mesmo sem as condições mínimas de aprendizagem.
Por todo esse trabalho, Márcio Ananias recebe bruto um salário de R$ 925 novecentos e vinte e cinco reais. Isto porque é professor na mata norte (mesmo morando em Recife) e tem direito a um auxílio locomoção de R$ 190 reais. Mas, seus R$ 925 reais é alvo de desconto. Tem o desconto Sassepe saúde de R$ 42 reais e mais o desconto Funafin de R$ 128 reais. Logo, seu salário líquido é de R$ 781 reais. Em face da história de Márcio, que é a mesma de milhares de professores e professoras da rede pública, como esperar que estes realizem um trabalho de acompanhamento, de formação de valores e de comportamentos enfim de educação se as condições materiais impedem um trabalho efetivo nessa direção?
Na década de 1950, quando os americanos do norte estavam muito preocupados com o avanço do comunismo no Brasil, e, em especial, no Nordeste, um deles teria perguntado a Celso Furtado, na época diretor da Sudene: “Porque o Brasil investia tanto na Universidade Pública e tão pouco nas séries fundamentais?” – Celso Furtado teria respondido que primeiro era necessário se investir na formação das elites e depois se preocupar em educar o povo. Não podemos garantir que Celso Furtado realmente tenha dado essa resposta, mas hoje pagamos todos um preço muito alto pela falta de uma educação pública de qualidade para a população. Afinal, com uma escola pública de qualidade, sem dúvida, os níveis de violência, de saúde e mesmo as condições dos profissionais que se apresentam ao mercado de trabalho seriam inteiramente outras.
E meus pensamentos voam novamente a Machado de Assis quando separava o Brasil real do oficial. Sim no Brasil oficial há escolas públicas de qualidade, com média de 30 alunos por turma e salário de professor inicial líquido de mais de R$ 2 mil reais. É só visitar os Colégios de Aplicação, as Escolas Técnicas e os Colégios Militares. Talvez seja o momento da sociedade aliar-se aos professores numa cruzada salarial e pedagógica pois não há dúvida que esses profissionais são os maiores responsáveis pela construção de um efetivo processo civilizatório para a maioria da população.